Drauzio Varella

drauzio@cartacapital.com.br

Médico cancerologista, foi um dos pioneiros no tratamento da AIDS no Brasil. Entre outras obras, é autor de "Estação Carandiru", livro vencedor do Prêmio Jabuti 2000 na categoria não-ficção, adaptado para o cinema em 2003.

Opinião

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Leptospirose nas enchentes

A falta de diagnóstico e tratamento precoce explica a gravidade da doença: em torno de 75% dos pacientes precisam de internação hospitalar

Leptospirose nas enchentes
Leptospirose nas enchentes
Crédito:Thiradech/Istock
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Só ouvimos falar em leptospirose quando há enchente. A doença, no entanto, está presente o ano inteiro, com incidência mais elevada nos meses chuvosos, nas áreas urbanas, em pessoas de baixa renda e na faixa etária dos 20 aos 50 anos. O Ministério da Saúde recebe, em média, 13 mil notificações por ano.

A falta de diagnóstico e tratamento precoce explica a gravidade dos casos: em torno de 75% dos pacientes precisam ser internados. Em média, 10,8% dos infectados vão a óbito.

A causa é uma bactéria do gênero ­Leptospira, que infecta homens e ratos, cães, ovinos, suínos e bovinos, os quais servem de reservatórios naturais. Seres humanos adquirem a infecção ao entrar em contato com a urina do animal infectado, presente na água e na lama. Do ponto de vista epidemiológico, o rato de esgoto é o principal transmissor.

Em contato direto ou indireto com a urina do rato, as bactérias penetram a pele. A doença não é contagiosa – a transmissão interpessoal é raríssima. O período de incubação é de cinco a 14 dias, mas pode variar entre um e 30 dias. As manifestações também são variáveis. Há tanto formas assintomáticas, ou com poucos sintomas, quanto outras graves, eventualmente fulminantes.

A doença evolui em três fases:

1. Precoce: febre de instalação abrupta, dor de cabeça, nos músculos e nas articulações, perda de apetite, náuseas e vômitos. Podem surgir diarreia, vermelhidão nos olhos, fotofobia, manchas avermelhadas na pele e tosse.

Essa fase costuma ser autolimitada, com regressão no período de três a sete dias. Como esses sinais e sintomas são comuns a muitas doenças virais, é comum receber o diagnóstico de influenza, dengue ou síndrome gripal.

Fazem suspeitar de leptospirose, entretanto, a dor ao apertar as panturrilhas e a musculatura lombar, a hiperemia e as pequenas hemorragias nas conjuntivas.

A maioria dos doentes evolui para a cura completa, mas 10% a 15% entram na fase em que se instalam as manifestações mais graves.

2. Fase tardia: a forma clássica é denominada Síndrome de Weil, caracterizada por insuficiência renal, icterícia e hemorragias (geralmente pulmonares), manifestações que podem se apresentar isoladamente.

Hemorragias pulmonares provocam tosse seca, falta de ar e expectoração sanguinolenta que progride para SARA (Síndrome da Angústia Respiratória Aguda), quadro que leva à intubação endotraqueal e ventilação mecânica. A metade dos pacientes vai a óbito.

Fenômenos hemorrágicos podem ocorrer também na pele, nas conjuntivas ou nas mucosas dos órgãos internos e, eventualmente, até no sistema nervoso central. A principal complicação tardia é a insuficiência renal aguda, que se instala em 15% a 40% dos doentes. Muitos deles precisam ser submetidos a hemodiálise.

Outras complicações são menos frequentes: anemia, pancreatite, distúrbios neurológicos (confusão, delírio, desorientação), meningite, espasmos e paralisias musculares.

3. Fase de convalescença: a eliminação da leptospira na urina pode permanecer por mais uma semana ou persistir por meses. A icterícia desaparece lentamente em dias ou semanas. Alterações oculares (uveíte) podem ocorrer meses depois da infecção. A grande maioria dos que se curaram retorna às atividades normais.

Devem ser hospitalizados pacientes com um ou mais dos seguintes sinais de alerta: falta de ar, tosse e respiração ofegante, fenômenos hemorrágicos (especialmente expectoração sanguinolenta), redução do volume de urina, vômitos intensos, icterícia, queda da pressão arterial, arritmias cardíacas ou alteração do nível de consciência.

O tratamento com antibióticos está indicado em qualquer fase da doença. A diferença é que, na fase precoce, o antibiótico pode ser prescrito por via oral, em ambulatório, enquanto nas fases mais tardias, quando surgem as complicações, a internação hospitalar é mandatória para aplicação das medidas de suporte e antibióticos por via intravenosa.

O Ministério da Saúde recomenda as seguintes medidas quando houver exposição populacional em massa, como nas enchentes: informar a população do risco da doença, divulgar os sintomas que devem levar à procura de assistência médica, alertar os profissionais de saúde para reconhecer os sinais e os sintomas, notificar todo caso suspeito e iniciar antibioticoterapia imediatamente. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1249 DE CARTACAPITAL, EM 8 DE MARÇO DE 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Leptospirose nas enchentes”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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