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Opinião

Lei 10.639: alunos continuam sem conhecer o básico sobre história e cultura afro-brasileira

Os tempos em que a Princesa Isabel poderia, apesar de escravagista, estar representada quase na figura de uma ‘fada madrinha’ acabaram

Créditos: EBC
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Por Thais Ferreira

Neste 9 de janeiro completamos 18 anos desde a promulgação, pelo então presidente Lula, da Lei 10.639, que versa sobre a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira nas nossas escolas públicas e privadas do Brasil.

 

Essa Lei é um dos maiores marcos da relação entre a atuação dos nossos movimentos negros e o desenvolvimento de políticas públicas. Porque por ela lutaram ativamente diversas organizações, através de seminários, congressos, passeatas e incidências sobre sindicatos, partidos políticos e até mesmo igrejas, até que finalmente se deu a sua aprovação.

No entanto, ainda hoje, é comum nós percebermos muitos jovens que, ao saírem da escola, simplesmente desconhecem quem foram alguns dos mais notáveis cidadãos negros do país. Não sabem quem foram Antonieta de Barros, Luis Gama, Abdias do Nascimento, João Cândido, Tia Ciata… Há inclusive exemplos mil de jovens que completam o Ensino Médio acreditando em verdadeiras barbaridades a respeito da cultura africana. Como nós pudemos notar pelos diversos casos de ataques a casas de candomblé e umbanda motivados pela desinformação que associa essas religiões “ao diabo”.

Estamos falando de notáveis personalidades que, com suas trajetórias, modificaram a vida não apenas dos negros no Brasil, mas de todo curso de nossa sociedade; estamos falando da maior população de negros vivendo fora de África, e que, no entanto, não se vê representada por em uma história que se apresenta como nacional, mas, na verdade, só oferece o ponto de vista dos colonizadores europeus e dos seus descentes.

Mais do que isso, estamos falando de um histórico de epistemicídio, ou seja, de extermínio dos nossos saberes e produções intelectuais, em benefício de um monopólio eurocêntrico para determinar o que é a ciência, o que é saber.

A modificação desse estado de coisas vai exigir de nós, portanto, empenho no desenvolvimento de metodologias para garantia da efetividade da Lei que nossos movimentos negros conquistaram para ensinar com base na pluralidade.

Se até hoje (mesmo em cidades onde a maioria dos eleitores é negra!) não houve empenho de recursos e esforços do poder público para dar consequência à obrigação que foi criada formalmente no Congresso, não é por outro motivo senão o fato de que a maioria desses atuais representantes são brancos e sim, racistas. É o racismo institucional que, uma vez que não tenha conseguido impedir a lei, agora tenta impedir que ela tenha eficácia, através do domínio exclusivo do poder.

Nós não vamos, mais, abrir mão disso! A disputa pela reconstituição de uma memória que faça justiça a nossa contribuição negra; que restitua nossa humanidade; que faça justiça aos fatos históricos, incluindo nossas resistências e colaborações, e a exaltação da nossa cultura ancestral e originária, é essencial para que qualquer projeto no Brasil, sobre qualquer assunto, tenha melhores chances de sucesso.

O que queremos, objetivamente, são os dados, o preparo das equipes de profissionais da educação, as balizas bem definidas para ensinar história e cultura afro-brasileira. Os tempos em que a Princesa Isabel poderia, apesar de escravagista, estar representada quase na figura de uma “fada madrinha” acabaram. E nós precisamos, então, avançar precisamente na consolidação de modelos que sejam práticos e suficientes para ensinar os fatos como eles realmente aconteceram.

A restituição da nossa humanidade, da nossa emancipação enquanto povo, depende do sucesso da democratização da forma de ensinar. Isto é sobre nossa dignidade, é sobre reparação plena.

E nós temos compromisso inegociável com ela.

Thais Ferreira mulher preta, periférica e vereadora do Rio pelo PSOL

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