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Lava Jato, nove anos

Tratou-se de um projeto de domínio político e de ascensão messiânica de agentes públicos

Lava Jato, nove anos
Lava Jato, nove anos
Eduardo Matysiak/Futura Press/Estadão Conteúdo – Imagem: O deputado e o senador não pagaram o preço da ambição desmedida
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Aos nove anos do vertiginoso prenúncio da Operação Lava Jato, expressão adotada para englobar processos administrativos e judiciais de persecução e processamento penal sobre fatos relativos à Petrobras, é importante realizarmos considerações desse que, ao contrário de inserir-se no contexto dos avanços na prevenção, investigação e repressão da corrupção no Brasil, deve figurar como um dos maiores escândalos institucionais da nossa história.

Para além de diversas violações aos direitos fundamentais, ao devido processo legal, ao princípio da imparcialidade da jurisdição e dos deveres impostos aos integrantes do Ministério Público, a Operação Lava Jato orquestrou, em detrimento da própria democracia brasileira, da estabilidade das nossas instituições e das empresas nacionais, um projeto de domínio político e de ascensão messiânica de agentes públicos.

Muito além de mero erro judicial, solipsismo, ativismo ou de qualquer manifestação de decisionismo voluntarista, a Operação Lava Jato fulminou, por meio de táticas de Estado de exceção, o próprio pacto civilizatório que se estabelece entre o Estado e os indivíduos. A espetacularização de investigações e operações policiais, a teatralização do devido processo legal e o apogeu do discurso punitivista materializaram-se na quebra do princípio da imparcialidade, em cooperações jurídicas internacionais selvagens, em vazamentos seletivos de informações sigilosas, no tratamento desumano e degradante conferido a investigados e réus, em buscas, apreensões, conduções coercitivas e prisões preventivas ilegais e, dentre muitos outros exemplos, na utilização de colaborações premiadas e de acordos de leniência como meios irrefutáveis de prova.

Referidas estratégias de formação de culpa, deslegitimação e de caça às bruxas foram lastreadas em regras de prevenção abrangentes, num modelo de força-tarefa fortalecedor de personalismos e de protagonismo individual, na fragilização do sistema acusatório preservador da atuação equidistante do juízo em relação à defesa e acusação e, ainda, da inibição do efeito devolutivo recursal perante os tribunais superiores, inibidos, num primeiro momento, pela República de Curitiba.

O enfrentamento à gradual fragilização dos espaços e dos sentidos da democracia e da relação de pertencimento à sociedade requer que desnudemos os artifícios lavajatistas enfraquecedores do nosso pacto social. O lavajatismo desenhou-se por meio de inéditas e desafiadoras formas e discursos, o que nos leva a alertar que a história humana não ocorre por fases estanques, como às vezes a descrição didática em períodos transparece. Elementos de conformação política e social do período anterior podem ser – e comumente são – identificados nos subsequentes. Inexistem, inclusive, garantias contra retrocessos e involuções civilizatórias.

Por todas essas razões, é preciso rememorar, incessantemente, as desgraças do lavajatismo para os direitos fundamentais e para a nossa democracia. O olhar para o futuro pressupõe, aos nove anos da Lava Jato, o reconhecimento dos nossos fracassos, a insuficiência dos nossos manuais clássicos em responder aos desafios contemporâneos e a falibilidade das nossas instituições. •

Publicado na edição n° 1252 de CartaCapital, em 29 de março de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Lava Jato, nove anos’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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