

Opinião
Lances perigosos
O time saudita ao se recusar a jogar em um estádio no Irã por causa da presença do busto de um general inimigo mostra as implicações
da política no futebol


O eixo desta coluna é o esporte e suas implicações na política, detalhe que tem demonstrado um peso cada vez maior nas relações econômicas e sociais. Desta vez, o fato relevante aconteceu na Champions League da Ásia, na partida do Al-Ittihad, time no qual jogam Benzema, Fabinho e Kanté, contra o Sepahan.
O time saudita recusou-se a entrar no gramado do Estádio Naghsh-e Jahan, em Isfahan, no Irã, porque havia, na passagem do vestiário para o campo, o busto do general Qassem Soleimani, líder iraniano morto em 2020. Falou-se, inicialmente, em provocação. Mas esse argumento foi rebatido com a alegação de que o monumento estava ali havia tempo. O fato é que o time se recusou a jogar e voltou para casa.
Nestes tempos da arrancada dos árabes no futebol, me volta à lembrança o período em que os chineses investiram pesado no esporte. O Hulk, que dia desses fez um golaço pelo Atlético Mineiro, foi um dos que partiram para aquela aventura. Em 2018, ele foi campeão nacional no país e, em 2019, faturou a Supercopa da China. No fim de 2020, o contrato do atacante com o Shanghai SIPG chegou ao fim e ele decidiu voltar.
O principal motivo para os chineses terem recuado foi, de acordo com o que se comenta, a pandemia e a crise por ela gerada. Muitas das grandes empresas patrocinadoras deixaram de lado essa iniciativa e houve uma debandada dos grandes nomes que tinham ido jogar no país.
Resta saber se foi uma decisão motivada pela crise econômica mesmo ou se foi uma tomada de posição política, de sair do surto neoliberal aplicado ao futebol que, agora, atacou americanos e árabes. O fato é que o esporte – em especial o futebol, mas não só ele – entrou de sola nessa onda.
O noticiário da semana dá conta de que o espetacular Michael Jordan, do basquete, é um dos maiores “ricaços” entre os americanos e que a China investirá no esporte como meio de promover a educação. Juntos, saúde, esporte e educação formam um tripé valoroso na evolução do desenvolvimento social.
Os norte-americanos têm sua política esportiva baseada no sistema educacional, e é daí que saem os grandes astros do esporte profissional.
Aqui entre nós, sofremos mais uma regressão na política do esporte nacional, com a troca efetuada no ministério inicialmente ocupado por Ana Moser.
A disputa política não é nada fácil, e o esporte saiu perdendo, assim como tantas outras áreas têm perdido. Cabe lembrar que, no último dia de setembro, o Senado aprovou, por 43 votos a 21, o projeto que estabelece um “marco temporal” para a demarcação de terras indígenas.
Pela proposta, os povos indígenas só poderão reivindicar a posse de áreas que ocupavam em 1988, quando foi promulgada a Constituição. Essa ideia vergonhosa serviu para ajustar, com mais precisão, a imagem de quem é quem na política nacional, cristalizando os pesos na balança da governança do Brasil.
Quando participei da campanha pela Constituinte, a única coisa da qual fazia questão era que meu nome ficasse nitidamente caracterizado pela minha opção socialista. Agora, vemos deputados de sigla declarada socialista no próprio nome optarem pelo Sim nessa votação asquerosa.
Trata-se de querer, simplesmente, apagar da história a existência dos povos originários. Chega às raias do ridículo. Só não entendi o voto do admirado Romário, que fez um golaço contra ele mesmo. Mas, voltando ao esporte, também há algumas boas notícias. Uma delas é a classificação da equipe de Ginástica Artística para a Olimpíada de Paris–2024.
Já o nosso surrado futebol entra no período crítico das decisões. Crescem as tensões e as desconfianças, e é urgente prevenir, com rigor, a violência. Na berlinda estão os técnicos importados. Que o diga o “patrício” Bruno Lage, do Botafogo, que escapou, por um tiquinho, de um desastre gigantesco. É hora de reação dos treinadores brasileiros, puxados por Dorival Jr. e Fernando Diniz.
No Brasil, e mundo afora, acontecem alguns movimentos interessantes, puxados pelo Girona, que lidera o campeonato espanhol e, aqui, pelo Bragantino, que assume a vice-liderança da tabela do Campeonato Brasileiro, à frente do poderoso Palmeiras.
Eu não havia visto nenhum jogo completo do time paulista. E, em termos de futebol de verdade é, no momento, o melhor do País, do mesmo modo que Marrocos foi o melhor competidor da Copa Catar–2022. •
Publicado na edição n° 1280 de CartaCapital, em 11 de outubro de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Lances perigosos’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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