Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

Juntos, podemos dar vida ao sonho de Jucirene

‘É tempo de somar esforços para garantir aos grupos historicamente injustiçados o direito de ser, saber e existir’

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Em 2011, ao definir militantes, o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica usou as seguintes palavras: “Os militantes não vêm para buscar o seu, vêm entregar a alma por um punhado de sonhos”. É exatamente o sonho, o desejo de contribuir para a construção de outro modelo societário, que me move a dedicar parte da minha existência à luta feminista, antirracista e à luta pela educação púbica de qualidade. Para tanto, lanço mão da escrita, das ruas e das redes sociais para denunciar abusos e defender a urgente necessidade de erguermos um País justo e democrático para todos e todas que aqui vivem.

Sou imensamente grata por tudo o que a militância tem me dado ao longo dos anos. Sou grata pelos lugares que pude acessar, pelas pessoas que conheci, pelas transformações que tenho testemunhado e me fazem seguir em frente. Sou grata pela oportunidade de encontrar a Jucirene que, na última terça-feira, ao me enviar uma mensagem pelo Instagram solicitando a doação de livros, me proporcionou um dos momentos mais marcantes de toda a minha vida.

Reproduzo a mensagem na íntegra:

Fiquei emocionada, comovida com o gesto. Um pedido como esse carecia de uma resposta à altura. Pedi a ela que me passasse o número do celular, pois ligaria no dia seguinte para combinar a forma de envio dos livros. Tivemos uma longa conversa na qual ela contou um pouco de sua trajetória.

Esse encontro e essa história não poderiam ser reservados somente a mim. A decisão de partilhá-la não se deu somente em razão do compromisso de atender ao pedido que a Jucirene me fez. As palavras dela trazem muitos ensinamentos.

Jucirene nos ensina que, se não temos condições de mudar o País, podemos agir para transformar a realidade que nos cerca. Nesse momento em que a dor e o medo nos atravessam, ela nos mostra que o Brasil não é formado apenas por pessoas odiosas, ignorantes e ressentidas, como os últimos tempos às vezes nos levam a crer. Muito pelo contrário. Nosso País é feito também por gente como Jucirene, comprometidas com a transformação social. Sorte a nossa.

Lendo a mensagem, pensei na escritora Carolina Maria de Jesus, autora do best-seller Quarto de despejo, que sessenta anos após o seu lançamento, continua entre os livros mais vendidos do Brasil. Nascida e criada no Nordeste de Amaralina, um dos bairros mais violentos de Salvador, Jucirene também passou, assim como Carolina, boa parte da vida em uma favela.

Assim como Carolina, durante alguns anos Jucirene garantiu o sustento da casa com a coleta e venda de materiais recicláveis – no caso dela, com a ajuda do marido.

Assim como Carolina, Jucirene teve pouco acesso à educação formal. Tal qual a escritora afro-mineira, ela sempre soube o valor dos livros, da leitura e da educação, o que é explicitado no texto endereçado a mim e em sua preocupação com a formação da Estefany, sua única filha. Em 2011, Jucirene deixou a capital baiana e mudou-se com a família para Palmeiras, distrito da Chapada Diamantina: “Eu sempre fui muito determinada. Eu não pude estudar, mas decidi que minha filha teria estudo”, disse orgulhosa. O desejo de Jucirene se materializou. Contemplada com uma bolsa do ProUni, atualmente, Estefany cursa a graduação em Fisioterapia.

Quando pensa no direito à educação, Jucirene não mira somente o futuro da filha, mas também o das crianças, jovens e adultos da sua região. Segundo ela, com a pandemia, “os meninos estão com muita dificuldade para estudar, eles estão querendo abandonar a escola”. Foi a partir dessa constatação, da tentativa de impedir o abandono precoce das salas de aula, que Jucirene decidiu se empenhar na criação de uma biblioteca comunitária, onde os moradores de Palmeiras e do Mocambo, outro distrito da Chapada Diamantina, possam encontrar motivação para dar continuidade aos estudos.

Ainda emocionada, dividi a mensagem com algumas colegas que se prontificaram, antes que eu pedisse, a doar livros para que o espaço sonhado e apoiado por Jucirene ganhe vida. Silvinha, minha prima, foi além. Sugeriu que eu desse início a uma campanha de arrecadação. Assim fiz. Desde ontem, tenho recebido mensagens de pessoas do Brasil inteiro que abraçaram a iniciativa. A Mazza, editora de Belo Horizonte especializada em títulos a respeito da temática afro-brasileira, está conosco nessa empreitada.

Ficaria muito feliz se os leitores da CartaCapital também se engajassem nessa campanha. É tempo de somar esforços para garantir aos grupos historicamente injustiçados o direito de ser, saber e existir, sobretudo em um momento marcado pela omissão por parte do Estado.

Deixo o endereço para envio dos livros: Praça São Sebastião, 9999 – Casa Fr – Lot São Francisco – Palmeiras/BA – Cep: 46930-000 (Jucirene Guarda Nascimento).

Deixo também as palavras da pensadora afro-americana Patrícia Hill Collins:

“Sempre existe escolha e poder para agir, não importa quão desoladora pareça a situação”.

Conto com vocês!

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