Esther Solano

esther@cartacapital.com.br

Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e professora de Relações Internacionais da Unifesp

Opinião

assine e leia

Juntas podemos derrotá-lo

Há pautas que aproximam mulheres progressistas e conservadoras. Não é o momento de reforçar as divergências, e sim de unir forças para derrotar o monstro que hoje ocupa o Palácio do Planalto

Juntas podemos derrotá-lo
Juntas podemos derrotá-lo
Foto: Miguel SCHINCARIOL / AFP
Apoie Siga-nos no

Temos um presidente que odeia mulheres. É um misógino de livro, um caso de estudo protótipo de curso introdutório de feminismo para principiantes. Um misógino que se sente agredido cada vez que uma mulher empoderada se coloca na frente dele, cada vez que uma mulher, que deveria respeitar seu lugar de submissão e silêncio, ousa levantar a voz. Uma mulher que o questiona é algo intolerável. Um misógino que se sente pequeno, medíocre, confrontado com uma mulher forte que o interpela e por isso responde da única forma que sabe responder, com a violência dos medíocres.

Os ataques contra a jornalista Vera Magalhães e a advogada Gabriela ­Prioli unem-se a tantos outros episódios de violência machista que o presidente tem protagonizado ao longo destes anos. Deixo aqui o meu abraço e meu carinho a todas as mulheres que levantaram a voz contra o monstro e foram agredidas por ele ou suas milícias. Esses capítulos fúnebres da história brasileira só demonstram uma coisa: somos muito fortes e os machistas morrem de medo de nós. O feminismo está vencendo e isso os apavora.

Os machistas não conseguem lidar com um mundo onde as mulheres não tenham mais vergonha de discordar publicamente, porque isso as coloca frente a frente com suas imensas limitações. No fundo, a violência deles significa que estamos ganhando a batalha, e eles sabem disso. Podemos vencer esta eleição. Somos mais da metade do eleitorado e estamos preferencialmente do lado de Lula, mas precisamos de ainda mais mulheres. O eleitorado feminino precisa virar as costas ao monstro um pouco mais.

Semana passada, lançamos o livro Feminismo em Disputa (Boitempo), escrito em parceria com as maravilhosas e muito admiradas Camila Rocha e Beatriz Della Costa. Nele, apresentamos resultados de nossas pesquisas com mulheres conservadoras que votaram em Bolsonaro e, hoje em dia, estão desiludidas ou arrependidas. A ideia do livro é tentar aproximar posturas com elas, tentar estabelecer pontes de comunicação e diálogo, construir pautas que nos aproximem para concordar numa agenda de convergência.

O primeiro dado relevante é que as mulheres entrevistadas têm um claro desejo de ser escutadas, de conversar sobre a experiência delas, sobre o cotidiano de ser mulher. Há espaço para o diálogo e isso não é um dado trivial. O segundo é que há pautas importantíssimas que nos aproximam e que são consensuais, sobretudo estas: 1. A importância da independência financeira da mulher, a conquista do espaço público, educativo, político, profissional, a luta pela igualdade de oportunidades. 2. A percepção da realidade do machismo tanto na esfera de sociabilidade micro como no espaço institucional macro. 3. A rejeição frontal à violência machista.

São essas vitórias grandiosas do feminismo que aproximam mulheres aparentemente opostas, mulheres que votaram em Bolsonaro com outras que jamais o fariam, mulheres que se definem como evangélicas e católicas com mulheres ateias, mulheres cuja identidade é conservadora com mulheres cuja identidade é progressista. Simultaneamente ao debate dos presidenciáveis na Band, estava conduzindo alguns grupos focais com mulheres evangélicas que tinham votado em Bolsonaro em 2018 e estavam em dúvida para esta eleição. Foi unânime e ostensiva a reação de repúdio ao ataque contra Vera Magalhães. Elas se sentiram agredidas também. Quando Bolsonaro fala coisas como “vocês preferem a Lei Maria da Penha ou uma pistola?” desagrada a muitas mulheres que votaram nele em 2018.

Há espaço para conversar mais e mais com mulheres que acreditaram no monstro em 2018 e que, hoje, percebem a cilada na qual entraram. Mulheres às quais nos unem algumas questões como as citadas anteriormente e das quais outras nos separam. Vamos focar então nas questões que nos unem e deixar para outro momento as questões que nos separam. Política é negociação, habilidade, concessão, estratégia, saber utilizar os momentos e as oportunidades. Vamos focar, neste curto período de tempo eleitoral, nos consensos que aproximam mulheres conservadoras e progressistas.

Vamos utilizar um vocabulário cuidadoso para nos comunicar com elas, que não provoque bloqueios cognitivos e constrangimentos. A urgência política impõe que sejamos inteligentes negociadoras, se quisermos ganhar esta eleição com a maior margem possível. Depois, com a vitória na mão, negociaremos outras pautas, outros léxicos que hoje nos afastam, mas que no futuro podem nos aproximar.

Conversemos com as mulheres. Juntas podemos derrotar o monstro. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1225 DE CARTACAPITAL, EM 14 DE SETEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Juntas podemos derrotá-lo “

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo