Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

Joaquim, se todos fossem iguais a você…

‘Hoje a gente está no mesmo grupo de zap, encontro de escritores, jornalistas e sonhadores, pilotado por Afonso Borges’

Joaquim Ferreira dos Santos
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Joaquim, para mim, pode ser uma revista literária que circulou no Paraná entre 1946 e 1948, eu não estava nem aí. Editada por Dalton Trevisan, quando ainda não havia vampiro em Curitiba.

Chiquérrima, logo nas primeiras páginas do primeiro número a Joaquim falava em Rainer Maria Rilke, John Dewey, Maiakovski, Sérgio Miliet, Otto Maria Carpeaux e Paul Verlaine.

Joaquim durou 21 números. Publicou Drummond: Nossa mãe, o que é aquele vestido, naquele prego? Minhas filhas, é o vestido de uma dona que passou. Passou quando, nossa mãe? Era nossa conhecida? Minhas filhas, boca presa. Vosso pai evém chegando.

Publicou o Carlos ainda quarentão que, muitos anos depois, Milton musicou: Eu preparo uma canção, em que minha mãe se reconheça, todas as mães se reconheçam, e que fale como dois olhos.

Nas páginas da Joaquim, era possível ler Louis Aragon no original, em francês, e reclames da Papelaria Normalista, do Magestoso Hotel, da Alfaiataria Guanabara, da Chapelaria Central, da Confeitaria Tinguí, que devem ter deixado um outro Joaquim excitado e que vou falar daqui a pouquinho.

Antigamente, todo Joaquim era Quinzim. Tio Quinzim, vô Quinzim, era Quinzim pra lá e pra cá, pra todo lado. Na Fazenda do Sertão tinha um, o Quinzim que recolhia as galinhas ao cair da tarde e trancava o galinheiro.

Joaquim é também para mim um sobrinho-bisneto, sete anos, que nasceu em Brasília, mora lá. Vaidoso, sereno, já pediu a bisavó um desodorante: estou precisando! A última vez que o vi era ainda menininho, foi pouco antes da reeleição da Dilma. Morro de saudade dele.

Mas o Joaquim, muso desta crônica, é o Joaquim cronista do Globo, cronista de mão cheia, que leio toda segunda-feira no jornal dos Marinho, e com olhos arregalados. De tanto ler Joaquim, pensei: esse é o cara para escrever a orelha do meu primeiro livro, O Mundo Acabou.

E ele escreveu: o Mundo acabou filtra em moringas de barro, cola com goma-arábica, a saudade dos nossos objetos produtos de supermercado, sonhos de consumo, superstições, modismos. Transforma em nostalgia delicada, madeileines sublimes… até mesmo o líquido amargo do óleo de fígado de bacalhau.

Não paguei nada a ele, nem um tostão furado, nem eu nem a Editora Globo. Sorry, Joaquim, estou lhe devendo uns trocados.

Nunca tinha visto Joaquim Ferreira dos Santos, assim cara a cara, frente a frente, e sempre o amei. Mas um dia, o avistei num lugar bem a nossa cara, a Livraria da Travessa, Rua Visconde de Pirajá, Ipanema, Cidade Maravilhosa.

Lá estava ele numa tarde de dia útil, espiando um livro e outro. Aproximei e me apresentei: ‘sou o cara que escreveu O Mundo Acabou e você fez a orelha! disse na lata’. Tímidos, nós nos apresentamos, nos cumprimentamos. A conversa foi curta, rápida e rasteira, mas sai dali feliz da vida por ter conhecido pessoalmente o tal Joaquim, em carne e osso.

Hoje a gente está no mesmo grupo de zap, encontro de escritores, jornalistas e sonhadores, pilotado por Afonso Borges. De vez em quando, o Joaquim comenta a minha crônica para CartaCapital, dizendo ter uma invejinha boa dos meus recuerdos. Isso quando eu me lembro do cheque verde do BERJ, do traveler check, do Banco Nacional, aquele que estava a seu lado.

Ah mundo, vasto mundo, fico pensando assim… ah, se todos chamassem Joaquim!

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