Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

Janelas abertas

Que tal a ideia de percorrer o Brasil, depois o mundo, mostrando o que as pessoas veem ao abrir a janela do quarto, depois de acordar?

Janelas abertas
Janelas abertas
Janela destruída na cidade de Kyparessia, região do Peloponeso, Grécia. Foto: Alberto Villas
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Bem no início do ano dois mil, recém-chegado ao Show da Vida, fiz um projeto para o programa. Minha ideia era percorrer o Brasil, depois o mundo, mostrando o que as pessoas viam ao abrir a janela do quarto, depois de acordar.

Já tinha visto coisas incríveis, às vezes simplórias, bem como espetáculos dignos de tombamento pelo patrimônio nacional.

Ao abrir a janela de uma velha casa da família, localizada na Rua Major Vieira, em Cataguases, Zona da Mata mineira, você dava para uma rua arborizada, com pavimento de pedras retangulares. Ali, parecia que o mundo havia parado. De tempos em tempos passava uma Variante, uma Brasília, um Kadett. Pedestres eram em número maior que o de automóveis. Todos cumprimentavam com um oi com o carimbo de Minas Gerais.

Em compensação, do vigésimo primeiro andar daquele flat em Tóquio, via-se a cidade inteira, enorme, gigantesca mesmo. Se olhássemos para baixo, era um formigueiro de gente, que só diminua o fluxo por volta de dez, onze horas da noite.

Em Caraúbas, no Rio Grande do Norte, a janelinha de madeira dava pro mar. Na areia, logo cedo, noite ainda, pescadores desembaraçavam suas redes, organizavam seus barcos porque navegar era preciso.

Da janela de um barraco em Cubatão, São Paulo, era só fumaça que se via. Um céu permanentemente cinza era tingido por uma fumaça preta que saia do progresso.

Em Paris, tinha quem acordava e dava de cara com a torre Eiffel. Em Rio Doce, também em Minas, você corria o risco de abrir a janela da Fazenda do Sertão e dar de cara com Mimosa, a vaca mais leiteira da região. Do Carandiru, via-se um pátio com as marcas desbotadas de um campinho de futebol, dois funcionários do presídio conversando, meio apoiados nos cabos das vassouras surradas.

De uma janela de Londres, via-se o Holland Park, apinhado de esquilos que subiam e desciam das árvores, patos que sacudiam espantando a água do corpo e melros voando pra lá e pra cá, como na música Blackbird, de John Lennon e Paul McCartney.

De um prédio antigo em São Paulo, era abrir a janela e enxergar o Viaduto Costa e Silva, hoje João Goulart, mas conhecido como Minhocão. Carros pra lá e pra cá e só.

O projeto não passou, a direção nem fez as contas, mas achou caro demais, inviável. Sim, era caro, mas era bacana.

Da minha janela, no bairro da Lapa, em São Paulo, a vista não é bonita. Mas o que me entusiasma é uma árvore bem defronte, onde uma sabiá vem construindo o seu ninho há dias, colocando graveto por graveto num desenho lógico. Durante algumas semanas, vou acompanhá-la botando os ovinhos, os filhotes nascendo, crescendo, ensaiando o primeiro voo.

Depois disso, vai ficar apenas a árvore, balançando as folhas, isso quando tem vento.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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