

Opinião
Investigações da operação ‘Contragolpe’ apontam, sim, crimes consumados
A Justiça deve ser exemplar, para que não haja impunidade. Aos detratores da democracia, que se faça a força implacável da lei


Enquanto o País se estarrece diante das revelações trazidas pela Polícia Federal de que havia um plano concreto para matar o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, a extrema-direita busca minimizar a gravidade desses fatos ao, mais uma vez, distorcer a realidade e alegar que, por não haver ato consumado, não existe crime nenhum. Esta é uma inverdade que precisa ser rebatida desde logo.
No Direito, em regra, a fase de preparação de um crime não é punível pela lei. Porém, há exceções – como o crime de associação criminosa, os crimes previstos na lei de terrorismo e alguns crimes contra o Estado Democrático de Direito. Nesse último caso, há uma razão lógica para punir apenas a tentativa: uma vez consumado o crime contra o Estado Democrático de Direito, o próprio Estado deixa de ter meios para punição do criminoso, tendo em vista que nessa hipótese houve a conclusão de um golpe e consequente abolição do Estado democrático.
Contudo, para além dessa questão, o inquérito da PF já deixou claro que as investidas dos quatro militares do Exército e do policial federal presos nesta terça-feira 19 não ficaram só no campo das ideias. As investigações revelam, até o momento, não só um, mas inúmeros atos criminosos consumados, potencialmente enquadráveis e puníveis na lei brasileira.
De início, devemos sempre lembrar que a tentativa de golpe revelada agora não é um fato isolado: foi instigada durante anos por lideranças políticas de extrema direita. Também são faces desse mesmo movimento orquestrado episódios como o incêndio de ônibus no dia da diplomação do presidente Lula, a implantação de uma bomba no aeroporto de Brasília em dezembro de 2022, a minuta de decreto golpista redigida pelos conspiradores, a fuga do ex-Presidente da República para os Estados Unidos, os ataques nas sedes dos Três Poderes em de 8 de janeiro de 2023 e o atentado à bomba no STF no início deste mês.
Nos fatos narrados na operação “Contragolpe”, o inquérito da PF destaca que os cinco servidores presos efetivamente cumpriram com a missão de monitorar cada deslocamento de autoridades desde novembro de 2022 – período pós-eleição e anterior à posse do Presidente Lula. Tal fato se deu após uma reunião realizada naquele mês na casa do general Braga Netto, então candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro.
Outro ponto destacado no inquérito é que um dos alvos da operação “Contragolpe”, o policial federal preso, estava trabalhando na estrutura de segurança de Lula no gabinete interino, antes da posse. Segundo os investigadores, esse agente da PF se aproveitou da função e “repassou informações relacionadas à estrutura de segurança do presidente Lula para pessoas próximas ao então presidente Jair Bolsonaro, aderindo de forma direta ao intento golpista”. Ele só foi afastado após ser flagrado no acampamento golpista montado em frente ao QG do Exército em Brasília.
Só aí, temos digitais muito evidentes do golpe que pretendiam executar e dos desvios cometidos no exercício da função. A investigação da Polícia Federal foi além. Ela revelou não só o possível uso de patrimônio do Estado – uma viatura oficial do Exército – para vigiar Alexandre de Moraes, como também a alarmante e comprometedora troca de mensagens entre todos os envolvidos a postos para uma ação clandestina com o intuito de assassinar o ministro do Supremo Tribunal Federal.
Portanto, não restam dúvidas de que, à luz do Código Penal, estamos diante de crimes que já estavam na fase de execução. De maneira evidente, aplica-se o artigo 359-L do Código Penal, o qual estabelece que quem “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais” será condenado à pena de até oito anos de prisão. Ressalto novamente que o próprio tipo penal traz o verbo “tentar”, explicitando a vontade do legislador em punir também a fase de tentativa.
As provas apontam também para o crime de prevaricação, pois agentes de segurança vazaram informações com intuito de vulnerabilizar a segurança daqueles que deveriam proteger.
Por fim, o inquérito da Polícia Federal evidencia ainda a existência de uma organização criminosa explicitamente golpista, com planejamento e hierarquia bem estruturados. Em nenhum momento os envolvidos desistiram de levar adiante os crimes conspiratórios: apenas decidiram aguardar um momento oportuno. O plano estava em execução e foi abortado momentaneamente.
Os ataques à democracia são sistemáticos e possuem uma evidente cadeia de comando. Ao indiciar Bolsonaro e mais 36, nesta quinta-feira 21, a PF chega ao fim em seu trabalho investigativo minucioso, confirmando que possui provas robustas contra o ex-presidente e todo o grupo liderado por ele. Considero que a Justiça deve ser exemplar, para que não haja impunidade. Aos detratores da democracia, que se faça a força implacável da lei. Sem anistia!
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.