

Opinião
Intensidade exagerada
O grande número de batidas de cabeça com cabeça, muitas vezes ocorridas entre companheiros do mesmo time, é preocupante


Tem causado muita preocupação o aumento da frequência de choques no futebol atual, cuja palavra de ordem é “intensidade”. Me assustam, principalmente, os casos de cabeça com cabeça, muitas vezes ocorridos entre companheiros do mesmo time.
O último jogo do Botafogo contra o Fluminense, pelo Campeonato Carioca, na segunda-feira 21, foi uma maluquice. O primeiro tempo teve um desgaste impressionante, com uma correria desenfreada entre os jogadores. A tônica da marcação, por parte de ambos os times, provocou um número elevado de erros de passe, faltas e paralisações. O resultado? Pouco futebol.
Têm sido assim também as grandes decisões nos campeonatos pelo mundo, nos quais estão jogando os maiores talentos da contemporaneidade. Foi o caso da partida entre Real Madrid e Paris Saint-Germain, pela Liga dos Campeões, no início do mês. Não duvido que esta seja uma das razões que estejam levando o trio Messi, Neymar e Mbappé a ainda não ter conseguido falar a mesma língua.
Se trato desse tema é porque sabemos que os traumatismos diretos causam lesões importantes. Apesar da evolução dos recursos de tratamento, que são mesmo admiráveis e permitem a recuperação dos atletas em tempo breve, o risco continua existindo.
Nos esportes de maior contato, como o futebol americano – muito pior que o nosso –, os casos de concussão cerebral motivaram a criação de protocolos rigorosos. Sabe-se de atletas que tiveram sequelas incapacitantes. O boxe é outro exemplo gritante dos riscos implicados em pancadas na cabeça. Isso sem falar em algumas das lutas radicais “modernas”. Não seria tempo de repensarmos a aceitação desse tipo de consequência de um esporte?
Este assunto me leva a outro, de natureza diversa, mas correlato. Amiúdam-se, no esporte, os casos de problemas de comportamento. São vários os esportistas com manifestações de estresse e depressão em um ambiente no qual, até não muito tempo, tudo parecia só deslumbramento.
No campo da saúde, uma boa notícia vem do craque Christian Eriksen, da seleção dinamarquesa. Em 2020, o jogador, de 29 anos, sofreu mal súbito durante uma partida contra a Finlândia, pela Eurocopa. Ele precisou passar por cirurgia, para colocar um desfibrilador interno, e passou vários meses afastado do esporte.
Tendo retornado aos campos no fim do ano passado, Eriksen foi agora anunciado como um dos 23 atletas escalados pelo técnico Kasper Hjulmand para a seleção do país, para os amistosos contra a Holanda e a Sérvia, marcados para o fim do mês. A Dinamarca já está classificada para a Copa 2022.
Por aqui, a Seleção brasileira volta a reunir-se para os dois últimos jogos das Eliminatórias. Embora a classificação tenha sido garantida com bastante antecedência, os comentaristas especializados e os próprios torcedores pela inconstância não demonstram tranquilidade em relação ao desempenho do time. O que os incomoda é, justamente, a “intensidade” que mencionei anteriormente.
Confesso, porém, que não me preocupo tanto. A esta altura, entendendo a “folga” alcançada pela classificação antecipada como uma boa oportunidade para Tite, o técnico, alterar a formação de um time-base, dando chances a alguns jovens que vêm se destacando em seus clubes. Pode ser verdade que o mais desejável seja escalar o time preferido, mas, dado o fato de que quase todos os convocados jogam fora do País, essa opção emperra no intenso calendário do futebol atual.
Outro ponto a ser observado é a confiança que Tite procura passar aos jogadores mais “cascudos” que o acompanham faz tempo. E a confiança e a lealdade, sabemos, são ingredientes essenciais para um bom time. O problema, obviamente, é que não cabem todos em um time. Vários jogadores têm sido relembrados e, na convocação final, alguém vai sobrar.
Philippe Coutinho é um exemplo claro de jogador nessa situação. Ele tem sido reconvocado e, no Aston Villa, seu clube atual, tem voltado a jogar bem.
A diferença da Copa deste ano é a mudança na data, que vai pegar os jogadores europeus no meio da temporada e não ao final dela. Os craques chegarão à Copa extenuados – e nessa condição se incluem os brasileiros.
As últimas notícias dão conta de que, no Catar, uma reunião entre dirigentes e técnicos decidirá, em breve, se será permitida a inscrição de 26 jogadores. Isso pode ser bom para Tite. Outro ponto favorável é o técnico saber que a Copa do Catar vai encerrar seu ciclo na Seleção. Isso tende a aumentar a sua tranquilidade. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1201 DE CARTACAPITAL, EM 30 DE MARÇO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Intensidade exagerada”
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.