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Opinião

Iniciativas municipais oferecem comida de verdade aos vulneráveis

Debate sobre ações de promoção da SAN e de fortalecimento da agricultura familiar não deve se restringir a campanhas eleitorais

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Por Marcelo Oliveira de Almeida e Melissa Luciana de Araújo*

Todas as pessoas têm direito a uma alimentação adequada, em quantidade e qualidade suficientes para suprir as suas necessidades nutricionais. Em outras palavras, todas e todos têm direito a comida de verdade. Este termo – comida de verdade – resume bem o que está previsto no Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), principalmente no que diz respeito à importância de termos acesso permanente a uma alimentação saudável, produzida sem agrotóxicos e transgênicos. Quem defende a comida de verdade e o DHAA, defende também a função social da terra, a diversidade da cultura alimentar e as formas de cultivo sustentáveis realizadas no campo e nas cidades pela agricultura familiar, pelos povos indígenas e pelas comunidades tradicionais.

É difícil encontrar alguém que discorde que comer é um direito. Mas, na prática, o que se vê atualmente no Brasil é o agravamento da fome, sobretudo nos lares chefiados por mulheres, uma vez que elas são as mais impactadas pelas crises econômica, social e sanitária que vivenciamos. O direito à alimentação estabelece que, quando uma pessoa não tem condições de garantir a sua comida, é dever do Estado prover tal direito. Mas é certo que houve nos últimos anos um grande retrocesso na relação entre a sociedade civil e o Estado e que o atual Governo Federal está empenhado em promover o desmonte das políticas públicas de segurança alimentar e nutricional (SAN) conquistadas pela sociedade brasileira com muita luta e mobilização social.

Há ainda outro fator que agrava a situação de insegurança alimentar e nutricional na população: a crueldade do mundo corporativo que dita as regras do sistema alimentar que predomina no Brasil. Por um lado, as transnacionais do agronegócio influenciam diretamente os padrões de agricultura ao impor modos de produzir alimentos que causam severos impactos sociais e ambientais. Por outro, a concentração de mercado das grandes corporações do setor de varejo de alimentos acarreta o predomínio de produtos ultraprocessados nas dietas, o que leva à padronização das identidades alimentares e ao aumento dos problemas de saúde decorrentes da má alimentação.

Estamos em um ano de eleições municipais, e esses momentos são oportunidades para refletirmos sobre a sociedade em que vivemos, as políticas públicas de que precisamos, os sistemas de cultivo que achamos mais adequados, os alimentos que queremos consumir. Nessa perspectiva, comer é um ato político, e a criação de legislações e políticas públicas de SAN são passos necessários para assegurar o direito à alimentação, especialmente à população em situação de vulnerabilidade social.

No último mês de outubro, ao apresentar os dados da pesquisa ‘Municípios Agroecológicos e Políticas de Futuro’, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) trouxe importantes subsídios para o debate público e para a ação dos poderes executivo e legislativo. A pesquisa identificou mais de 700 iniciativas municipais de promoção da SAN e de apoio à agricultura familiar e à agroecologia. Mesmo sendo um estudo preliminar, esse levantamento tem o mérito de tornar visível uma variedade de programas, leis, portarias e instruções normativas que são, em grande medida, desconhecidas da sociedade. Representam, ainda, um conjunto de iniciativas efetivas que pode servir de referência e ser aprimoradas e ampliadas por futuras/os prefeitas/os e vereadoras/es.

No mapeamento realizado pela ANA, vimos que são fomentadas nos municípios brasileiros diferentes estratégias para garantir a segurança alimentar e nutricional da população, como os bancos de alimentos, os restaurantes populares, as feiras de agricultura familiar ou agroecológicas, os mercados e as cozinhas comunitárias. Em muitas dessas iniciativas, pode-se ressaltar o papel assumido pelos municípios de agentes dinamizadores das economias locais ao priorizarem a compra direta de alimentos produzidos pelos povos do campo, das águas e das florestas.

Como exemplo, podemos citar o restaurante popular do município de Sobral (CE), que fornece a baixo custo comida de verdade à população urbana, comprada diretamente da agricultura familiar. Já em Imperatriz (MA), além da iniciativa do restaurante popular – que oferece 600 refeições por dia ao custo de 2,50 – o município conta com um Banco de Alimentos. Para diminuir o desperdício e abastecer o Banco de Alimentos, a administração municipal coleta nas feiras locais e nos supermercados os alimentos que seriam descartados apesar de ainda estarem em condições de consumo. Além da coleta, o Banco de Alimentos é abastecido pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) do estado e pelo PAA do município.

Diferentemente de alguns municípios que interromperam o funcionamento dos restaurantes populares durante a pandemia, em Belo Horizonte (MG) o serviço continuou, mas teve que ser adaptado. Para garantir a oferta de alimentos de qualidade e com segurança, a Prefeitura Municipal optou pela distribuição das refeições em marmitas.

O caso de Belo Horizonte mostra também como a criação de legislação municipal específica e de uma subsecretaria para centralizar o planejamento e a execução de ações de SAN potencializam a articulação com outros setores da administração pública e da sociedade civil. Já o controle social dos planos e programas de promoção da SAN fica a cargo do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de Belo Horizonte (COMUSAN/BH), o que reforça a importância da participação da sociedade nos espaços de monitoramento de políticas públicas e de construção de ações mais efetivas para o cumprimento do Direito Humano à Alimentação Adequada.

Caminhamos para o fim das eleições de 2020, e na maioria dos municípios brasileiros a população já definiu seus representantes. Entretanto, o debate sobre as ações de promoção da SAN e de fortalecimento da agricultura familiar e da agroecologia não deve se restringir aos momentos de campanhas eleitorais. Comer é um ato político! Comer é um direito! E para garanti-lo, é preciso a participação ativa da sociedade.

* Marcelo Oliveira de Almeida é jornalista, militante da agroecologia e integrante da Coletiva de Comunicação da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).

Melissa Luciana de Araújo é nutricionista, militante da segurança alimentar e nutricional e conselheira representante da sociedade civil do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais – CONSEA-MG.

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