Opinião

Informações estatísticas, censos e um enorme contrassenso

A Via Crúcis do pensamento neoliberal vem exterminando e empobrecendo o arcabouço de dados de nossa história

Terra para fins de reforma agrária: não cumprir a lei pode ser um grande negócio para latifundiários
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Em 2010, fui convidado a escrever a apresentação e dois capítulos do livro Caminhos da Sustentabilidade, editado pelo Instituto Cultural ECO Espírito Santo, patrocínio do Ministério das Relações Exteriores e de algumas empresas privadas. À época, defendíamos nosso etanol, bombardeado pelos países de interesses petrolíferos.

Hoje em dia, somos fortes nas duas fontes, ameaçados de entregá-las a Donald Trump.

No capítulo, Homens e mulheres no campo: construção da dignidade em harmonia com a natureza, pensei, ali, ter bem sintetizado o que seria, digamos, uma sustentabilidade total.

Concluía assim:

“De uns tempos para cá, generalizou-se a ideia de que reforma agrária é coisa do passado. Modelo antigo, ineficaz. Apenas distribuir terra de nada adianta. É verdade, mas também mentira, pois ninguém mais prega esse caminho, comprado facilmente por quem deseja apenas apaziguar mentes. A transformação de que o campo necessita e que irá libertar parcelas de trabalhadores ou pequenos proprietários, que ainda não alcançaram um nível de vida digno, é essencialmente capitalista”.

Daí em diante, baseado no Censo Agropecuário de 2006, mostrava precariedades profundas para o tema.

Se havia algo que permitia a analistas e colunistas econômicos, especialmente da agropecuária, interpretações e conclusões importantes, tais dados eram fornecidos por instituições governamentais, em construções ao longo do tempo e por vários órgãos sempre aprimorados.

Para mim serviram, sobretudo, IBGE, Ipea, Mapa, Conab, MDIC, BC, Embrapa, Emater, Cati, IEA, entre outros.

Muitos deles criados, ainda, sob Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, e no período da ditadura civil-militar, entre 1964 e 1985.

A Via Crúcis do pensamento neoliberal, com seu “Estado Mínimo”, gradativamente, vem exterminando e empobrecendo esse arcabouço de dados da nossa história.

Sei isso ser pouco perto do que estão fazendo com os trabalhadores do país e com as classes produtivas, comerciais e de serviços, na contramão das riquezas, soberania e história do Brasil. Mas, infelizmente, é triste ver, jogam fora parte de nossa identidade.

Em relação ao Censo Agropecuário, do IBGE, se quisermos algo confiável, devemos recorrer àquele com dados de 2006, completo e complexo em seu questionário. Assim deveriam continuar ou até ampliar seu escopo.

Há três anos, venho contestando as novas metodologias, até através de informações vindas de funcionários do IBGE, que me alertam, mas não se revelam por medo de perderem o emprego.

O que foi divulgado recentemente é um pastiche inócuo que afasta aspectos importantes sobre o papel das pequenas propriedades e da agricultura familiar na formação do agronegócio brasileiro.

Leio intenções de Jair Bolsonaro, seus três filhos, o chanceler “desambientalista” Ernesto Araújo, a ministra Tereza “Mangas pela Ruas” Cristina como suficiência alimentar, e Damares “Goiabas em Jesus”, de que, por redução de despesas porca mais estragarão o sistema de informações.

Por exemplo, em 23 de abril, como publicado no Valor e baseado no Pnad, “Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua”, o pesquisador da consultoria IDados, Guilherme Hirata, pontua:

“Dos jovens de 17 a 20 anos, em áreas rurais, 75% concluíram o ensino fundamental (…) a média brasileira é 85%. De 21 a 24 anos, apenas 47% concluíam o ensino médio contra os 67% do país”.

Ensino superior? Na área rural, não passam de 1/3 do total brasileiro, que já é mínimo. Integrantes do MST, Movimento dos Sem Terra, com dados do Censo Escolar, informam terem sido fechadas 29 mil escolas rurais, desde 2008. Caboclos, caipiras, campesinos e sertanejos, para estudar, terão que andar mais. Como a mobilidade nas zonas rurais é mais difícil, largarão os estudos.

O jornalista que escreveu a matéria nos informa: “Antigas pesquisas mostram que os indicadores já foram piores, embora os dados não sejam perfeitamente comparáveis por questões de amostragem e metodologias”.

É honesto Bruno Villas Bôas em seu relato ao tomar como exemplo Luyanne Figueira da Silva (ah, este sobrenome tão brasileiro e redentor!), 20 anos, filha de agricultor assentado em Campo Alegre, RJ, que, com excepcional esforço, concluiu o ensino médio, com todas as dificuldades de deslocamento até Queimados, RJ. Parou por aí e abdicou o sonho até que um dia o consiga pelo Enem.

Crápulas de plantão, careca da Havan, Instituto Millenium, Casa das Garças, Queiroz, eleitores do “mito”, o que farão por Luyanne?

Conclamarão, como fez seu líder, aos turistas sexuais estrangeiros a conhecê-la, depois de limpos?

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