Augusto Diniz

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Jornalista há 25 anos, com passagem em diversas editorias. Foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

Opinião

Indígena usa força crítica do rap para expor sentimento do seu povo

Kunumí MC ressalta importância de escrever de si mesmo e não sobre os “brancos”

Indígena usa força crítica do rap para expor sentimento do seu povo
Indígena usa força crítica do rap para expor sentimento do seu povo
Kunumí MC. Acervo pessoal
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Kunumí MC, 19 anos, expõe a realidade do índio a partir de si mesmo, um indígena. A incorporação do rap para se expressar revela relevância do gênero como plataforma de exposição de angústias, reflexões e crítica social.

“A literatura indígena é uma ficção, sem ter conhecimento de como vivemos. A literatura nativa veio para acabar com isso. A literatura indígena fala o que o ‘branco’ pensa, mas não é o que o índio pensa. A literatura nativa é o índio escrevendo de si mesmo, falando de seu povo. O rap nativo não é diferente”, afirma Kunumí MC, explicando que desenvolve com o pai, Olívio Jekupé (que tem 19 livros lançados), uma forma deles próprios exporem suas preocupações.

“No rap eu coloco ritmo e elementos indígenas. Isso é importante que é para mostrar um rap novo, nativo, próprio do povo indígena. O rap não é da cultura do índio. Sabemos disso. Mas se a gente gosta, a gente pode usar, como os brancos fizeram com a gente: eles usam várias coisas do índio”.

O indígena vive na aldeia Krukutu, no extremo da zona sul de São Paulo, e teve contato com o rap aos 9 anos, por meio de seu irmão, o dj Tupan. A ele foi apresentado o Brô MC’s, primeiro grupo de rap indígena do Brasil. “Também gostei dos Racionais e até hoje me inspiram”. Ele tem um contraponto à força crítica social do rap, muitas vezes interpretada como muito agressiva.

“O rap não é violento. É uma história verdadeira. No meu caso, é o que aconteceu com o meu povo. Isso é que foi violento. O massacre, o genocídio. Meu rap traz esse sentimento”, ressalta. 

As composições de Kunumí, tanto em português como em guarani, sua língua nativa, trazem esse grito. O músico indígena tem dois álbuns lançados.

Música nova

Recentemente, ele lançou o rap Moradia de Deus. “Estava com a minha companheira, Kamilla (com ela tem um filho de 3 anos), e estava pensando: cada um tinha uma moradia, uma família. Mas fiquei pensando o que era moradia. Nessa moradia existe uma família, mas quem fez essa família? É o criador – cada um tem um nome e a gente chama de Nhanderú (Deus em guarani). Deus não está nessa moradia, mas está dentro de nós, dando força, conversando sempre com a gente”, explica a inspiração da letra, que não perde o tom crítico ao que o cerca em alguns versos, como: “Respeita a moradia, o sol ilumina o dia / Sábio índio já sabia, tô passando pra te dar essa dica / Não matar a natureza, porque Deus é natureza / Sem ela não vivemos, disso tenho a certeza”.

A música, que abre com uma poesia do pai, tem um clipe produzido pelo próprio Kunumí MC e filmado em sua aldeia. O projeto foi lançado com apoio do Programa Convida, lançado pelo Instituto Moreira Salles nesse período de pandemia e está disponível nas plataformas de música. A capa do single é um desenho de Jaider Esbell, indígena Makuxi de Roraima, também selecionado no programa do IMS.

O rapper indígena tem dois álbuns lançados: Meu Sangue É Vermelho (2017) e Todo Dia É Dia de Índio (2018). Também escritor, possui dois livros (um deles com o irmão), além de participação em vários outros. Com Criolo, gravou a música Demarcação Já – Terra, Ar, Mar. Em maio desse ano lançou em guarani o clipe Xondaro Ka’aguy Reguá

“No momento tenho vários textos de rap, que estou editando, que são antigos e muitos bons e que talvez eu vou lançar ano que vem em novo álbum”, conta Kunumí MC.  “A demarcação é nossa a principal luta. A terra demarcada a gente vai preservar. O progresso para o índio é cuidar da natureza. A gente pensa na nova geração. Para o ‘branco’ não é assim. O progresso é ter dinheiro. O que falta é não ter poluição, é o que mundo precisa. E quem está fazendo isso são os povos indígenas”, finaliza. 

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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