Paulo Nogueira Batista Jr.

paulonogueira@cartacapital.com.br

Economista. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países

Opinião

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Independência ou morte!

Povos subordinados sempre são submetidos aos interesses das metrópoles

Independência ou morte!
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“A independência está para os povos como a liberdade para o indivíduo”, definiu De Gaulle, com a autoridade de quem deu tudo de si para salvar a independência ­ameaçada da França durante a Segunda Guerra Mundial. No mesmo espírito, poderíamos dizer que a independência ou autonomia nacional é a capacidade de um país de definir o seu destino. Essa independência é crucial e intransferível, pois nenhum país que se preze pode confiar o seu destino a outras nações, por mais próximas que pareçam, por mais amigas que possam ser consideradas. As nações, dizia também De Gaulle, não têm amigos, mas interesses. Só os países que têm vocação para colônia ou protetorado abdicam da sua independência.

Estamos comemorando, nesta semana que entra, 200 anos da nossa independência política. O brasileiro, sempre inclinado a desvalorizar o Brasil, gosta de desdenhar da independência, dizer que ela não se realizou, que foi um fiasco etc. Não vou seguir essa toada vira-latista. A independência em 1822 foi um grande feito luso-brasileiro, em especial porque foi alcançada sem romper a unidade nacional, preservando o imenso Brasil que temos até hoje, com poucas modificações territoriais posteriores. Se o leitor pensa que é pouco, que olhe para a América Hispânica, que após a independência se fragmentou em 19 países, a despeito dos esforços de um Simón Bolívar.

Paradoxal que se possa dizer, como disse no parágrafo anterior, que a independência do Brasil em relação a Portugal tenha sido um feito luso-brasileiro. Mas foi. O acordo entre João VI e Pedro I foi a pedra de toque. Permitiu uma transição relativamente pacífica e funcionou como eixo contra as tendências centrífugas que se manifestariam em diversas províncias até os anos 1840, em especial no período da Regência. Com dificuldades, o Rio de Janeiro prevaleceu e o Brasil se manteve unido, como um dos gigantes do planeta.

João VI merece mais consideração do que tem recebido, diga-se de passagem. A sua decisão de transplantar a capital para o Rio de Janeiro foi corajosa e sábia. Repare, leitor, que ele fez o que as elites francesas se recusaram a fazer em 1940. O que De Gaulle defendia, quase sozinho, foi exatamente o que o príncipe regente de Portugal havia feito em 1808 – transplantar o governo para o Império, e continuar a luta. Pétain e outros preferiram a rendição, enquanto De Gaulle e uma minoria de inconformados se instalaram em Londres para dar sequência à guerra contra a Alemanha.

A decisão de 1808 foi, como se sabe, o primeiro grande passo para a independência do Brasil. E, se dependesse de João VI, a Corte teria ficado permanentemente no Rio de Janeiro, nova sede do Império Português, ou Luso-Brasileiro. Porém, as Cortes rebeladas em Portugal forçaram o retorno do rei, que percebendo tudo recomendou ao filho, antes de partir para Lisboa, que se preparasse para liderar a independência do Brasil. Segunda grande jogada de João VI.

Pedro I é outro que merece tratamento melhor do que tem recebido dos brasileiros. O seu grito de rebelião ressoou no Brasil inteiro. Arrancando as insígnias de Portugal, proclamou: “Laços fora, soldados! As Cortes de Portugal querem nos escravizar. Independência ou morte!” Não me venham, por favor, dizer que “Ah, mas houve isso, houve aquilo, Pedro I continuou português, não abraçou a causa brasileira inteiramente etc.” Não se engane, querido leitor e compatriota: é sempre possível depreciar qualquer coisa. As grandes nações nunca fazem isso com os seus momentos de virada histórica. Os franceses nunca ou quase nunca pensam em reabilitar Pétain e seus asseclas. Os ingleses não ficam repisando os pontos fracos de Winston Churchill, que não são poucos, diga-se. As lendas nacionais são, sim, submetidas ao crivo analítico e crítico da História, mas não de forma indiscriminada e destrutiva.

Volto ao Brasil. Sim, leitor, independência ou morte! A escolha é clara: independência ou a vida diminuída das colônias e das nações subordinadas! Se existissem nações hegemônicas benevolentes, ainda poderíamos optar por nos colocar à sombra de uma delas. Mas isso nunca existiu e nunca existirá. A dinâmica política interna nos países mais avançados exige que o interesse nacional passe na frente dos interesses dos povos colonizados ou subordinados. Estes serão submetidos ao propósito de facilitar a solução dos problemas e conflitos da metrópole, como mostra inequivocamente a história milenar dos impérios de todos os tempos.

Vamos, portanto, comemorar sem inibições os 200 anos do Grito do Ipiranga, valorizar o que alcançamos e lutar para que a nossa independência seja preservada e reforçada no século XXI e depois. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1224 DE CARTACAPITAL, EM 7 DE SETEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Independência ou morte! “

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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