Imposto sobre fortunas na América do Sul: a grama dos nossos vizinhos é bem mais verde

Argentina, Bolívia, México, Chile e Colômbia aprovaram ou discutem projetos de taxação das grandes fortunas, escreve Guilherme Boulos

Jair Bolsonaro e Paulo Guedes. Foto: Evaristo Sá/AFP

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É conhecido o dito popular de que a grama do vizinho é mais verde. Ou seja, tendemos a invejar quem está ao lado porque não convivemos com seus problemas. Mas, hoje, pensando como nação, a grama dos nossos vizinhos de fato é bem mais verde. Ou melhor, aqui o gramado virou um grande pântano. E não falo simplesmente na condução da pandemia, na qual o Brasil tem os piores números do continente e virou um pária a ser evitado. Falo em termos econômicos e sociais. Fomos colocados por Bolsonaro na vanguarda do atraso.

Um exemplo é o debate sobre a taxação de grandes fortunas para contribuir no financiamento de políticas de combate à pandemia e à desigualdade. Neste momento, vários países da América Latina, como Chile, México e Colômbia apresentaram projetos de taxação no Parlamento. Argentina e Bolívia tornaram lei o imposto. A tendência é tão relevante que o próprio FMI, bastião histórico do neoliberalismo, reconheceu o imposto como uma “opção na mesa”.

O Brasil tem um dos sistemas tributários mais regressivos do planeta. A arrecadação perpetua a desigualdade, em vez de combatê-la. Isso porque a maior parcela dos impostos incide sobre o consumo (49,7%), não sobre renda (21%) e patrimônio (4,4%). Os tributos sobre o consumo afetam proporcionalmente mais aqueles que ganham menos, porque gastam praticamente toda a sua renda com itens de sobrevivência. Quem ganha um ou dois salários mínimos não tem condições de poupar ou investir, diferentemente de quem tem renda elevada. Como padrão de comparação, nos países da OCDE, a média é de 32,4% de tributação sobre o consumo, 34% sobre a renda e 5,5% sobre o patrimônio.

Os impostos sobre renda e patrimônio, com alíquotas progressivas, têm efeito inverso: quem tem mais, paga mais. São instrumentos de distribuição de riquezas na sociedade, além de não afetarem a atividade econômica. A tributação de produção e consumo encarece o preço dos produtos e diminui o poder de compra dos trabalhadores, dificultando o ciclo virtuoso na economia. A ideia de que o IGF e outros impostos progressivos levam à fuga de capitais foi recentemente contrariada por um caso bem próximo de nós. A Ford recentemente fechou plantas na América Latina: as três fábricas no Brasil (São Paulo, Ceará e Bahia) foram fechadas e a da Argentina, que havia acabado de aprovar o IGF, permaneceu aberta.

O fluxo de investimento privado move-se muito mais em função da existência de demanda na economia nacional e das condições de infraestrutura e tecnologia do que do sistema tributário. O Brasil está com a economia destruída, com o pior nível de investimento em 50 anos e na recuperação econômica mais lenta da história das crises nacionais. Com a demanda deprimida e o investimento público achatado pelo insano Teto de Gastos, não há nenhum atrativo por aqui. O argumento da “fuga de capitais” é muito mais chantagem dos bilionários do que uma realidade econômica.

Existem várias alternativas para tributação progressiva no Brasil. O IGF é uma delas. A mais urgente é a taxação de lucros e dividendos, regra em todos os países da OCDE, e que existia aqui até o governo de Fernando Henrique Cardoso. Hoje, um bilionário que obtém seus rendimentos sob a forma de dividendos está isento de tributação, enquanto um professor, um médico ou qualquer trabalhador que ganhe mais de 4,6 mil reais paga 27,5%. É uma excrescência que, além de tudo, estimula a elisão fiscal através da pejotização dos rendimentos. Uma tributação com alíquota de 20% renderia aos cofres públicos, aproximadamente, 60 bilhões de reais ao ano. Se somarmos ao potencial arrecadatório do IGF – 40 bilhões ao ano, de acordo com projeto enviado ao Congresso por 70 entidades civis –, teríamos 100 bilhões a mais para investimentos públicos. 


Outro caminho é a criação de novas faixas do Imposto de Renda da Pessoa Física, pois hoje um trabalhador com renda de cinco salários mínimos está sujeito à mesma alíquota que alguém com renda de 1 milhão ou 10 milhões de reais ao mês. Em relação à tributação de patrimônio, o caso mais gritante é o imposto sobre heranças. A alíquota máxima da taxação no País é de 8%, enquanto nos Estados Unidos é de 40%. Ou seja, há uma enorme margem para medidas de tributação progressiva no Brasil que combatam as desigualdades e ampliem a capacidade de investimento público. 

É evidente que não há qualquer perspectiva de aprovação do IGF e de uma reforma tributária decente com Bolsonaro e Paulo Guedes no poder. Mas o exemplo de nossos vizinhos latino-americanos deve trazer à tona a importância dessa pauta para qualquer projeto de reconstrução nacional pós-Bolsonaro. E reforçar a nossa luta para que esse pesadelo acabe o quanto antes pelo impeachment.

Publicado na edição n° 1153 de CartaCapital, em 15 de abril de 2021.

 

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