Alberto Villas
[email protected]Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'
Como ser blasé tendo dez minutos pra almoçar no quilo e voltar correndo pra firma porque marcaram uma reunião bem na hora do rango?
Fiquei acordado até altas horas vendo o papo de segunda sobre ser blasé ou ser emocionado. Disseram que pintou, nas redes sociais, a história de que quem é blasé é cafona. Não explicaram para os mais jovens o que é ser cafona, mas o papo rolou solto. E foi divertido.
Enquanto uns se posicionavam pelas redes sociais serem emocionados 24 horas por dia e a todo vapor, alguns poucos se diziam blasé.
Blasé, para mim, não sei se vocês concordam, é a correspondente da TV Globo em Londres, a Cecilia Malan. Blasé e meio enjoada, com aquele sotaque carioca no último, ela informa que nasceu o pequeno príncipe da realeza com a mesma entonação de voz que quando anuncia que dez crianças morreram massacradas num hospital em Damasco, depois da explosão de uma bomba.
É incapaz de mudar o tom blasé que carrega consigo. Tudo na boca da Cecilia Malan parece ser chique, ser elegante, ser cool, mesmo quando o talibã decapita meia dúzia de afegãos em praça publica e o sangue espirra pra todo lado.
O papo de segunda ia rolando e eu sentado no chão da sala da minha casa, pensando com os meus botões: o mundo anda tão emocionado que é impossível ser blasé numa hora dessas ou em outras. Quem consegue ser blasé quando Bolsonaro abre a boca?
Nos anos noventa, esse assunto veio à tona numa reunião de pauta do Jornal do SBT e nós resolvemos colocar no ar uma reportagem bem divertida. A pauta era: é impossível ser zen em São Paulo.
Buscamos num templo budista nosso personagem e a reportagem começava com ele no meio da Avenida Paulista, numa segunda-feira, hora do rush. Se ele não corresse para calçada, um Escort X-3 passaria por cima dele, não resta a menor dúvida.
Sabe aquela história de revistas do tipo Vida Simples, que aconselha o leitor, ao acordar, abrir a janela e dar bom dia para as árvores e para os passarinhos, para o sol e para o vento? Pois é, nossa ideia era mostrar que morar em São Paulo era incompatível com a calma, com o blasé, numa boa.
Como ficar calmo acordando às quatro horas da madrugada, preparando uma marmita básica, tomando um café requentado com um pão dormido, indo pro ponto do ônibus e ficando lá 38 minutos esperando o busão? Na boa, não dá.
Como ser blasé tendo dez minutos pra almoçar no quilo e voltar correndo pra firma porque marcaram uma reunião bem na hora do rango?
E o dia que amanhece bonito e, de repente, você se vê preso numa marquise e aquele toró caindo na horizontal? Junto com a ventania?
E quando você digita a senha certa e uma voz metálica do além te informa: senha incorreta, favor discar novamente?
E quando a central de cartões de crédito te liga e pergunta se você fez uma compra de 900 dólares no aeroporto de Guarulhos, você diz não e ela completa que o seu cartão foi bloqueado por motivo de segurança?
Tem mais: e quando o celular acaba a bateria bem na hora que você estava finalizando a compra de uma passagem aérea?
Resumo da ópera: salve-se quem puder!
A reportagem do Jornal do SBT terminou com a música que diz a feia fumaça que sobe apagando as estrelas e em seguida, o barulho dos automóveis, a confusão do trânsito e a canção de Tom Zé que diz sei que o seu relógio está sempre atrasado, mas não buzine que eu estou paquerando.
O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.
Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.
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