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Hora da faxina

Seis anos de estagnação, fome, insegurança e degradação social são um monumento à incompetência e desumanidade da dupla Temer e Bolsonaro

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Foto: MAURO PIMENTEL / AFP
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A limpeza do Brasil depois do lodaçal bolsonarista envolve medidas de efeito imediato e outras de consequências mais demoradas. E ainda há aquelas que precisam ser tomadas com urgência, mas cujo impacto só será percebido a longo prazo.

Umas só dependem do governo. No front ambiental, por exemplo, há absurdos tão escandalosos que seu remédio é óbvio. O que fazer a respeito de medidas que destroem a Amazônia? Que difundem o uso de agrotóxicos letais? Que ampliam os riscos a que estão submetidas populações indígenas e tradicionais? Uma canetada resolve.

A legislação e o espaço institucional estão repletos de monstrengos criados no carnaval de pseudomodernização do capitalismo brasileiro deflagrado pelo golpe de 2016, quando os portões foram abertos para a festa da boiada. Agora, é hora da faxina, tanto de problemas antigos quanto dos novos que surgiram. Seis anos de estagnação, fome, insegurança e degradação social são um monumento à incompetência e desumanidade da dupla Temer e Bolsonaro.

Para limpar a sujeira acumulada nos últimos anos, é pré-requisito um governo decente, chefiado e constituído por gente decente. Teremos um assim em breve e vamos fazê-la, criando as condições para um novo ciclo de progresso e bem-estar. Com apoio da parte decente da sociedade e da vasta maioria da comunidade internacional, pois só os mais toscos vão ter saudade do Brasil que existiu até recentemente. É preciso, no entanto, mais.

Desde a eleição, observamos como são grandes os desafios para recuperar a saúde democrática do Brasil. Supondo, naturalmente, que é esse o desejo da parte majoritária do País, que não quer viver afundada na ignorância, no obscurantismo e no autoritarismo. A deterioração moral e intelectual provocada pelo bolsonarismo sempre foi evidente e pode ser avaliada, hoje em dia, na manifestação daqueles que não aceitam a democracia, parados na frente de quartéis ou a atrapalhar a vida normal, atacando, xingando e gritando por golpe de Estado. É um desafio mais complicado que remover pedaços equivocados e disfuncionais de legislação. Mais difícil que substituir funcionários desqualificados por gente preparada e séria.

Com o tempo, o desvario antidemocrático tenderá, muito provavelmente, a refluir. De um lado, a normalidade de um bom governo, com resultados a mostrar, deve reduzir os medos que foram incutidos nesses eleitores, fazendo com que percebam que se assustaram sem motivo. Nenhum dos fantasmas que inventaram para horrorizá-los se mostrará real. De outro, à medida que a normalização avançar, os desvairados vão ficar mais isolados, vendo suas fileiras minguar e sem capacidade de atrair adesões. De janeiro em diante, a cada dia, esse processo deve se acelerar.

É um erro, no entanto, acreditar que bastam as tendências naturais, que nenhuma ação profilática é necessária, supondo que a saúde democrática será espontaneamente restaurada, a ponto de o delírio ficar restrito a uma parcela muito minoritária, incapaz de contagiar a maioria. O bolsonarismo, com suas alianças ideológicas e religiosas, vai fazer o possível para evitar que isso aconteça. Ao contrário, se utilizará de seus eficientes canais de comunicação para manter (ou elevar) o nível de desatino.

Enfrentar o desvario antidemocrático latente na cultura política brasileira e sua instrumentalização pelo oportunismo bolsonarista é um desafio decisivo na reconstrução do País. Menosprezá-lo pode fazer com que o esforço de restaurar as condições de governo e recuperar a capacidade de executar boas políticas tenha baixa (ou nenhuma) eficácia. Uma parte, que pode ser grande, da sociedade permanecerá cega e continua­rá aparvalhada.

Como há sempre um primeiro passo, neste caso é não fingir que o desvario “é questão de opinião”, como sugere parte grande da imprensa corporativa. Em vez de “natural”, equivale a perpetrar outros crimes que a legislação define, e deles não se deve fazer publicidade, para não infectar o ambiente democrático. Quem afronta a democracia não pode ficar impune.  •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1235 DE CARTACAPITAL, EM 23 DE NOVEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Hora da faxina “

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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