Joanna Burigo

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É fundadora da Casa da Mãe Joanna e mestre em Gênero, Mídia e Cultura.

Opinião

Homem feminista VS omi feministo

A importância da voz dos homens no feminismo varia de acordo com o espaço onde é usada

Fernando Frazão/Agência Brasil/Fotos Publicas
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O argumento que está prestes a ser feito não surge de uma suposta hostilidade feminista em relação aos homens, mas sim da experiência de quem já gastou latim demais em uma discussão que tende a ocorrer de forma exaustivamente cíclica, e que seria desnecessária se o pensamento feminista fosse mais facilmente assimilado por quem reluta em prestar atenção nele por uma teimosa aversão à mera menção do termo.

O feminismo é um movimento de inclusão social e, como tal, parte do pressuposto de uma exclusão social pré-existente. Visto que o projeto feminista visa resolver desigualdades pautadas em gênero que pesam mais negativamente sobre as mulheres do que sobre os homens, é falacioso declarar que o feminismo os exclui.

Os pareceres dos homens sobre o feminismo importam para as feministas? Depende. Gênero é relacional, então aliados oriundos do campo opositor podem ter valor utilitário, especialmente quando aplicam a luta nos espaços adequados. Mas, francamente, as sugestões dos homens para o feminismo não importam tanto quanto eles acreditam. A sociedade é machista, e o feminismo se propõe a solucionar esta opressão, o que inclui não ser oprimida dentro do próprio movimento.

Apesar de vivermos numa sociedade machista, nem tudo é sobre ou feito para os homens. Menos ainda o feminismo. O protagonismo aqui é, incontestavelmente, das mulheres.

A experiência social dos homens não é igual a das mulheres. Homens não navegam a sociedade como mulheres. É realmente muito simples compreender isso. Quando uma feminista fala sobre suas experiências de opressão, os homens deveriam ouvir, assimilar e refletir antes de emitir opiniões. Isso pura e simplesmente porque as mulheres falam sobre experiências que os homens não têm.

Sexualidade, autonomia corporal, representatividade política, representação na mídia, poder institucional, violência específica de gênero e tarefas domésticas são pautas feministas porque as experiências das mulheres em relação a elas são assombrosamente diferentes das dos homens, e para pior.

Se uma pessoa não passa por uma experiência qualquer, é menos provável que ela saiba o que esta experiência significa para aqueles que passam por ela. Quando se trata de debater experiências relacionadas às vivências das mulheres, não é tão difícil de entender que as mulheres certamente sabem melhor sobre elas do que os homens.

As mulheres as vivem; os homens não. E a melhor maneira de aprender sobre experiências que não temos é ouvir atentamente o que aqueles que passam por essas experiências têm a dizer sobre elas.

Andrea Dworkin, notória e polêmica feminista radical estadunidense, quando interpelada por homens dispostos a provar que nem todos os homens são inimigos, pedia que a poupassem de defensivas individuais e usassem a energia para questionar o trabalho de pornógrafos, cafetões, apologistas de estupro e autores que banalizam a violência sexual contra as mulheres.

Ela acreditava que não há porque um homem se defender para uma feminista, e que melhor uso desta energia seria educando outros homens a respeito dos danos que a opressão masculina causa às mulheres.

Os homens que se dizem feministas deveriam saber disso. Algumas feministas não aceitam sequer a ideia de que homens possam se declarar feministas, e entendo esta salvaguarda, pois muitos homens que se declaram feministas, quando pressionados a mudar um comportamento misógino, passam a agir como “omis feministos”.

O “omi feministo” é uma forma bastante jocosa de denominar aqueles que gostam de bradar lealdade ao movimento, mas que ao primeiro sinal de discrepância entre seu discurso e sua prática, fazem birra. A expressão se popularizou de tão frequente que é esta conduta.

Os homens feministas deveriam saber que seu lugar no feminismo não é se defendendo, tampouco interpelando a fala das mulheres, e muito menos ensinando as mulheres sobre o que o feminismo deveria ser ou não. Os homens feministas deveriam usar seu lugar de privilégios para falar sobre feminismo para outros homens.

Se um homem é realmente feminista, ele sabe que as mulheres podem organizar sua própria luta, e confia nelas para fazê-lo. O feminismo é a ideia radical de que mulheres são seres humanos, portanto homens verdadeiramente feministas sabem que somos perfeitamente capazes de traçar nossas próprias metas e atingir nossos próprios objetivos.

Esperar solidariedade e empatia das mulheres não é o mesmo que inviabilizar conversas importantes pela necessidade pueril de ser incluído nelas. Muitas feministas são didáticas e gentis com os homens, mas não se pode confundir generosidade com subserviência a um sistema que insiste em nos colocar em posições de sujeição.

Poderíamos substituir o tempo que dedicamos para explicar feminismo para homens pelo empoderamento de outras mulheres, por exemplo. Os homens precisam entender que, ainda que gênero seja relacional e que eles sejam parte da mudança, o feminismo não é sobre eles. Querem ajudar? Não atrapalhem as mulheres; ouçam-nos, e apliquem o que aprenderam onde puderem, com outros homens.

Exigir ser ouvido em qualquer esfera é um reflexo da constituição patriarcal que privilegia a fala dos homens acima de todas as outras. E não é que o que os homens têm a dizer não seja valioso, mas em espaços feministas homens não são nem nunca serão os protagonistas.

Podem vir a achar que o que vou dizer é arrogante, mas minha suposta audácia ao dizer isso não passa de mera asserção da equidade que almejamos: queridos homens, desapeguem da necessidade de serem ouvidos no feminismo, e passem a nos ouvir mais.

Se isso servir de consolo, lembrem-se: vocês não são os únicos que devem ouvir mais do que falam. Pessoas brancas, com nosso privilégio branco, mais atrapalham do que ajudam quando insistem em interpelar a luta das pessoas negras contra o racismo. Deixar de lado a necessidade de falar, além de ser um exercício de humildade, é libertador, e quem o faz não perde nada. Ao contrário, é incrível o que se aprende.

Questões sistêmicas exigem que saibamos, constantemente, qual é nosso lugar dentro desse sistema. Algumas vozes são menos relevantes que outras por não virem das protagonistas da luta a respeito da qual elas opinam. Declarar isso em relação à voz dos homens não constitui hostilidade, mas sim feminismo bem feito.

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