Opinião

Gritemos um basta ao genocídio e ao saqueio do Brasil

‘A vitória do mal é sempre e apenas temporária, pois a derrota é certa como à noite sucede o dia’, escreve Milton Rondó

Foto: AFP
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“Busque a verdade: ela sempre nos mostrará o que devemos fazer, o que não devemos fazer, e o que devemos parar de fazer.”
Leon Tolstoi.

Em cerimônia realizada no domingo 9, na catedral de Agrigento, o juiz Rosario Angelo Livatino foi beatificado, como lembrou o Papa Francisco no Regina Coeli, a oração que se realiza aos domingos, no tempo da Páscoa, na Praça São Pedro, no Vaticano, em Roma.

Livatino fora assassinado aos 38 anos, em 1990, pela máfia siciliana.

Buscava a verdade, a justiça e pagou com a vida por essa busca.

Um herói, um beato a caminho da santidade.

A verdade cobrou-lhe a vida, mas o libertou, ao contrário daqueles que, nestas plagas, venderam a verdade e a pátria por trinta moedas de dólares, que lhes custará a alma e a danação hodierna e eterna.

Sim, o bem e o mal continuam a contestar, em luta renhida; mas a vitória do mal é sempre e apenas temporária, pois a derrota é certa como à noite sucede o dia.

Nestes tristes trópicos também aportaram grandes homens. Um deles, Stefan Zweig, que, entre outras obras-primas, escreveu O Candelabro Enterrado (Editora Acantilado, Barcelona).

Nele, Zweig, judeu austríaco que fugira da extrema-direita genocida, faz uma profética alegoria da diáspora hebraica, por meio da menorá, o candelabro sagrado de sete braços, que traz a luz, a verdade e a vida aos filhos do Livro.

Voltemos à Itália. A estória se inicia com a queda de Roma pelos bárbaros de Genserico, em 455.

O vândalo cartaginês encontra a cidade desgovernada, pois o genocida e covarde imperador Máximo, que tantos gladiadores entregara às feras no circo que ainda leva o nome dele, ao tentar fugir com a corte, fora capturado e morto pelo povo, a golpes de pauladas e machadadas – a morte inglória que a história reserva aos genocidas e seus asseclas…

Acéfala a cidade, coube ao Papa Leão negociar com o bárbaro. O pontífice contava com incrível vitória diplomática, pois, anos antes, convencera Atila, o huno, a respeitar o status da Cidade Eterna: a pretensão fora inacreditavelmente acolhida.

Genserico, entretanto, assentiu apenas em respeitar a incolumidade das pessoas, não dos bens, que foram rápida e sistematicamente saqueados, como Zweig relata: “…dispôs-se sem demora a traçar seu plano para espoliar do modo mais rápido – e ao mesmo tempo escrupuloso – os tesouros da cidade…iniciou-se o saqueio frio e sistemático, expedito e ao mesmo tempo silencioso. Tranquila e habilmente, da mesma forma como um açougueiro esquarteja um animal morto, nesses treze dias a cidade foi destripada viva e seu corpo, apenas palpitante, despedaçado pedaço por pedaço.”

A similitude com o que o imperialismo e a oligarquia local fazem atualmente no Brasil não é mera coincidência. Como fora no Lacio, trata-se do saqueio sistemático das nossas riquezas, desde os recursos minerais, como o pré-sal, até a alta tecnologia, como aquela da EMBRAER.

Aumentado a profética similitude, Zweig agrega: “O escrivão anotava cada peça em seu longo pergaminho com rígidas letras nórdicas, para conferir ao saqueio a aparência de certa legalidade.” Obra de gênio, a escrita de Zweig transcende as épocas, capta-lhes a essência e se torna permanente, imortal, verdadeiramente.

Vale notar que, conquanto a semelhança, o saqueio de Roma teria sido menor do que o do Brasil, principalmente, na cidade símbolo, o Rio de Janeiro.

Com efeito, ao contrário das chacinas promovidas ali pelo morador da “casa de vidro” e seus comparsas, que, em uma única manhã, executaram 29 pessoas, sem julgamento, no Jacarezinho; na capital do império romano, Zweig relata: “Nem uma só casa ardia; não se havia derramado uma só gota de sangue.”

Por outro lado, o saque sistemático prosseguia: “Em silêncio e a intervalos regulares, como as vagonetas que sobem e baixam em uma mina, vazias umas, cheias as outras, assim viajaram as caravanas de carretas durante treze dias do porto ao mar, do mar ao porto. Saíam cheias e regressavam vazias, com os bois e as mulas mancando já sob a carga, uma vez que, até aonde a memória alcançava, nunca se saqueara tanto em tão curto período como nessa rapina vandálica.”

O futuro, porém, mostraria que a rapina pode ser ainda maior e mais rápida, como assistimos nesta terra, nos dias que correm.

A Amazônia sendo desmatada a velocidade nunca vista; seus rios e cursos d’água poluídos por mercúrio e outras substâncias altamente tóxicas para a extração mineral, ilegal; terras indígenas, guardiãs da maior biodiversidade da Terra, invadidas e saqueadas; lideranças indígenas assassinadas. Comparada, a pilhagem de Roma parece uma incursão infantil.

Talvez, pressentindo o que ocorreria na terra que ele elegera para exílio, o Brasil, o Rio de Janeiro, Zweig tenha colocado mais uma pedra sobre o túmulo da vida e decidido pelo suicídio dele e da companheira, em Petrópolis, na Serra Fluminense, em 22 de fevereiro de 1942, quando um dos maiores pensadores e escritores do século XX partiu.

Em homenagem a ele, à esposa e aos mais de 420 mil mortos – a maioria negros e negras, como os assassinados na favela do Jacarezinho – gritemos um basta ao genocídio e ao saqueio do Brasil, para que a verdade, a justiça e a vida prevaleçam, desta vez, e em plenitude.

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