Aldo Fornazieri

Cientista político, autor de 'Liderança e Poder'

Opinião

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Golpe de aloprados

Não havia plano sólido, apoio da cúpula militar nem respaldo dos EUA. Ainda assim, a conspirata poderia causar estragos, dada a fragilidade da nossa democracia

Golpe de aloprados
Golpe de aloprados
Foto: Reprodução
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A Polícia Federal finalmente tornou pública a estrutura de comando da tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023. No fundamental, a coordenação era de Bolsonaro e de alguns militares da ativa e da reserva, dois ou três integrantes da PF e alguns civis. Esse comando tinha consciência de que o golpe só teria êxito se houvesse um significativo engajamento militar. Os acampados, as turbas que invadiram a sede dos Três Poderes, eram massa de manobra, ou para provocar a decretação de uma Operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ou para levar a uma operação militar mais direta.

Embora existissem, segundo a PF, seis núcleos operacionais, a estrutura golpista era rudimentar. A incitação ao golpe circulava de forma mais ou menos livre em redes militares e a reunião de 5 de julho de 2022, registrada em vídeo, revelou que, além de personalidades grotescas, não havia nenhum plano estratégico consistente. O golpe poderia ser revelado ou denunciado por integrantes da reunião, a exemplo do ministro Paulo Guedes e outros tantos. Preferiram o silêncio dos covardes.

De qualquer forma, a reunião mostrou que tudo não passava de uma conspirata de aloprados. Mas dada a fragilidade da democracia brasileira, até as conspiratas se tornam perigosas. Essa reunião ministerial e outras revelações mostram que os golpistas não tinham propriamente uma motivação. Se algo existia, não passavam de ecos da ditadura. Neste ano, completam-se 60 anos desde o golpe de 1964.

O mais notório saudosista da ditadura é o general Augusto Heleno. Em 1959, ele ingressou no Colégio Militar. Em 1977, tornou-se ajudante de ordens do general Sylvio Frota, um extremista que se opôs à abertura de Ernesto Geisel. Heleno era adepto de Frota e também se opôs à redemocratização. Bolsonaro, golpista notório em toda a sua vida, ingressou na Academia Militar em 1973. Indisciplinado e organizador de atos terroristas, foi expulso do Exército, pena comutada pelo Superior Tribunal Militar. Como parlamentar, defendeu ditaduras, torturas e fuzilamentos. Nunca foi punido.

Os generais Paulo Sérgio de Oliveira e Braga Netto ingressaram na carreira militar, respectivamente, em 1974 e 1975. O almirante Garnier ingressou na Escola Naval em 1978. Esses militares bolsonaristas mais graduados foram formados pela doutrina militar que professava o golpe.

Em 1964, o golpe foi deflagrado em nome dos valores conservadores e, principalmente, contra o perigo do comunismo. Ele foi fruto da conjugação de interesses de políticos, militares, setores religiosos, organizações da sociedade civil, grupos empresariais e do governo dos EUA. Os generais de então tinham também um projeto de desenvolvimento nacional, ainda que de perfil conservador.

O bolsonarismo é um coquetel de ideo­logias confusas, a misturar alguns ingredientes presentes em 1964, mas de forma incoerente, aleatória e desqualificada. Bolsonaro e seus asseclas não tinham projeto algum para o País. O lema “Deus, Pátria e Família” é vazio, desprovido de conteúdo. Não havia nem sequer uma ideologia coerente. Eles representavam projetos de poder pessoais, ambições de ganhos, de altos e ilegítimos salários, de privilégios públicos. Eram mercenários de si mesmos. Os golpistas não tinham apoio da maioria dos militares dos escalões superiores, não tinham respaldo dos EUA e tampouco de setores organizados da sociedade civil.

Dada a fragilidade da democracia brasileira e a ingenuidade medrosa dos políticos progressistas, os golpistas teriam tomado o poder se alguma unidade militar efetivamente se movimentasse nesse sentido. O mais provável é que durassem pouco no poder, por conta das condições políticas adversas que eles teriam, dentro e fora do País.

As revelações da Polícia Federal indicam ainda que os principais alvos dos golpistas eram o Supremo Tribunal Federal e o ministro Alexandre de Moraes. Provavelmente, seria o único golpe em que o seu principal alvo do ataque fosse a Suprema Corte e um de seus magistrados. Não por acaso, o STF e Moraes foram e são o principal escudo de defesa da democracia e de punição dos golpistas.

Por fim, é preciso enfatizar que os ecos da ditadura e do golpismo precisam ser extirpados do seio das Forças Armadas. Isto será feito se o rigor necessário das penas que o STF vem aplicando aos depredadores das sedes dos Três Poderes for aplicado também aos militares da ativa e da reserva que participaram na organização do golpe.

Bolsonaro também não pode escapar desse rigor. •

Publicado na edição n° 1298 de CartaCapital, em 21 de fevereiro de 2024.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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