Frente Ampla
Voto de quem ‘fez o M’ não é óbvio e Boulos deve disputá-lo
Há de se fazer tudo para estabelecer interlocução e compromissos com segmentos para além da centro-esquerda


O resultado do primeiro turno das eleições em São Paulo foi uma clara demonstração de que a ampla maioria da cidade deseja uma mudança de rumos. Somados, Boulos, Marçal, Tábata e Datena, os candidatos que se colocaram claramente como oposição a Ricardo Nunes, obtiveram cerca de 70% dos votos válidos.
Também chama atenção que o prefeito, dispondo do apoio aberto do governador, de inacreditáveis 65% do tempo de rádio e TV, uma aliança de 16 partidos, dinheiro a não mais poder e abusando ilegalmente da máquina pública, conseguiu se segurar, mas passou empatado com Guilherme Boulos ao segundo turno, ambos com 29%. Aliás, Nunes conseguiu a proeza de piorar a avaliação de seu governo durante a campanha, mesmo tendo essa imensidão de tempo de antena – agora, haverá paridade de armas nesse quesito.
É um cenário muito diferente do que viu em outras capitais do País. Em números gerais, 10 prefeitos incumbentes, titulares do cargo, já se sagraram vitoriosos no primeiro turno. Foram apenas 6 na eleição de 2020. O rol é eclético e contempla partidos de espectros diversos e candidatos alinhados a Lula ou não.
Eduardo Paes (PSD) derrotou o bolsonarista Alexandre Ramagem (PL) por 60,47% contra 30,81%, no Rio de Janeiro. João Campos (PSB), também do bloco lulista, foi consagrado com 78,11% dos votos no Recife, deixando o ex-ministro de Bolsonaro Gilson Machado a comer poeira. Mas também há casos como o de Salvador, em que Bruno Reis (União), rival local do PT, venceu com a ampla margem de 78,67% dos votos.
É fato que a capital paulista teve o fenômeno de Pablo Marçal, que dividiu o bolsonarismo e não foi à segunda etapa da eleição por um triz. O ex-coach teve 28,14% das preferências, mais de 1,7 milhão de votos, que não são todos de bolsonaristas, mas também de revolta com a política e repulsa ao atual governante.
No mapa eleitoral da cidade, Boulos e Marçal venceram em 20 zonas eleitorais cada, ao passo que o prefeito ficou na frente em apenas 17. Detalhe: Nunes não venceu em nenhuma zona eleitoral da região leste, a mais populosa, concentrando suas maiores forças na zona sul. Já Marçal venceu em 14 na ZL, inclusive algumas que muitas vezes pendem à esquerda, como Itaquera, Sapopemba, Teotônio Vilela e São Miguel. Na reta final, Boulos conseguiu se estabelecer, além do centro e da zona oeste, em zonas do fundo da leste, como Guaianazes, Cidade Tiradentes, São Mateus, dentre outras em que a esquerda costuma vencer.
Digo isso para mostrar que não é tão óbvio o eleitor que “fez o M”, grande parte dele composto de jovens, migrar automaticamente para Nunes, representante maior da política tradicional e que realiza uma gestão sofrível.
O próprio Marçal disse em uma live realizada na terça-feira 8, na qual condicionou o apoio a Nunes a um pedido de perdão coletivo, que quase a metade de seu eleitorado poderia tender à esquerda.
A entrada de Boulos em parte significativa desse eleitorado deve ser um objetivo a ser perseguido, até porque muitos são da juventude periférica, que se viram para sobreviver como entregadores de aplicativos, Uber e outras ocupações do empreendedorismo, mas que não se veem representados no ideário tradicional de trabalhador celetista.
Esse é um assunto bem mais longo, que requer abordagem própria, mas a questão de momento é: por que dar de barato que esse eleitor votaria em Nunes, cuja gestão só lhe virou as costas? Não! É hora de disputá-lo!
Há que se fazer tudo para estabelecer interlocução e compromissos com segmentos para além da centro-esquerda. O apoio de Tabata Amaral, que veio na primeira hora, deve ser comemorado e a campanha de Boulos deve buscar formas que a deixem à vontade para se agregar ativamente a esse esforço. O apoio do vice-presidente Geraldo Alckmin é também valiosíssimo e agrega setores ao centro.
Em outra frente, é preciso ampliar a presença de Lula e Marta na campanha para crescer mais entre os eleitores mais pobres, especialmente nas franjas das zonas sul e leste da cidade. Ainda há uma parcela razoável de pessoas que não sabe que o presidente apoia Boulos, até porque, como já disse o próprio Lula, é a primeira vez que ele pede votos para um candidato não petista em São Paulo. A prova cabal disso é que 50 mil votos foram anulados porque digitaram 13 para prefeito!
Por fim, é uma necessidade reeditar o espírito de frente ampla que animou a campanha de Lula no segundo turno de 2022. Nunes abraçou na prática o bolsonarismo, inclusive com uma inaceitável postura negacionista da vacina. Seu vice é um homem violento, que acha correto a polícia humilhar jovens pobres e negros das periferias e bater continência para os ricos dos jardins. Isso precisa ficar explícito para que sejam mobilizadas as forças democráticas da cidade para derrotar o bolsonarismo mais uma vez.
É hora do chamado à militância, maior patrimônio da esquerda, construído em décadas de lutas. No primeiro turno a cidade mostrou que quer mudança. Agora nos cabe fazer por onde concretizá-la.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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