Atualmente 116,8 milhões de pessoas não possuem acesso pleno e permanente a alimentos. Destas 43, 5 milhões não têm comida em quantidade suficiente, e 19,1 milhões passam fome em sua expressão mais absoluta, segundo o recentíssimo estudo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.[i]*
No estado de São Paulo é possível estimar que entre 6 e 7 milhões pessoas passem fome (insegurança alimentar grave), e outros 14 a 15 milhões não tenham comida em quantidade suficiente (insegurança moderada). Situação que pode piorar em meio à pandemia, com os prenúncios do que pode ser um novo aumento das contaminações pelo novo coronavírus. Afinal, alimentação é saúde, como lembra médico Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), citando um lema de sua especialidade, “Quem quer que tenha sido o pai de uma doença, a mãe foi uma dieta deficiente”[ii].
Diante disso o governo de São Paulo criou um novo programa chamado ‘Bolsa do Povo’. Para tanto unificou seis programas assistenciais já existentes antes da pandemia – Programa Renda Cidadã; Programa de Qualificação Profissional e de Transferência de Renda; Programa Emergencial de Auxílio Desemprego; Programa Ação Jovem; Programa Bolsa Talento Esportivo; e Auxílio moradia (Aluguel Social). Por meio de uma manobra orçamentária, o governo “junta” R$ 600 milhões relacionados a estes programas e adiciona outros $ 400 milhões que saem dos gastos previstos para a Secretaria do Desenvolvimento Econômico, Secretaria da Educação e do Centro Estadual de Educação Tecnológica ‘Paula Souza’.
De acordo com o anúncios do governo o ‘Bolsa do Povo’ irá beneficiar 500 mil pessoas diretamente e 2,5 milhões indiretamente (somando mais 2 milhões de familiares dos beneficiários). Tais cifras, porém, são projeções, uma vez que o governo nunca deixou transparente quantas pessoas se beneficiavam de fato dos vários programas.
Inclusive, os dois Projetos de Lei relacionados à criação do programa afirmam que critérios, requisitos e valores serão ainda definidos exclusivamente pelo Executivo – o que torna difícil calcular seu alcance. As normas comprometem verbas da Educação e não incluem nenhum auxílio verdadeiro, porque exige que a maior parte dos participantes trabalhe em troca do recebimento de valores: 20 mil pais de alunos servirão em escolas; e outros 115 mil trabalhadores serão terceirizados precários da administração estadual, recebendo R$ 500 a R$ 1000, por 4 a 6 horas de trabalho diário.
Ou seja, não é possível chamar o programa de ‘auxílio’. Na verdade, é um remanejamento de rubricas orçamentárias para remunerar trabalho precarizado. Além disso, seu alcance é limitado, tendo em vista o número de pessoas que passam fome em São Paulo e a dificuldade em comprar alimentos por parte das famílias trabalhadoras paulistas.
A criação de um auxílio emergencial de verdade de no mínimo R$ 600 , sem mexer em programas vigentes, até que não sejam mais necessárias medidas de restrição, é urgente. É uma questão de vida e morte para milhões de paulistas!
De onde tirar o dinheiro? Que tal uma contribuição Covid-19, provisória, sobre fortunas e lucros financeiros, para fazer com que banqueiros e milionários façam sua parte? Vamos lá, governador! Prove que você é diferente de Bolsonaro.
[i] Com apoio da ActionAid Brasil, Fundação Friedrich Ebert Brasil, Instituto Ibirapitanga e Oxfam Brasil, abril 2021.
[ii] Cristiane Martins, Como a fome deixa 19 milhões de brasileiros mais vulneráveis à covid-19: ‘Não há sistema imune que resista’, BBC News Brasil, 23/5/2021
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