Quem preserva a floresta em pé deve ser remunerado

'Mudar a realidade econômica e social da Amazônia deve ser a meta de um novo projeto de desenvolvimento'

O Governador do Maranhão, Flávio Dino. Foto: Lula Marques/Agência PT

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A Amazônia deve voltar a ser notícia no mundo todo, nos próximos meses, por conta de queimadas e desmatamentos ilegais. É uma exposição negativa do Brasil no exterior que se repete a cada ano. Os números de 2021 já são preocupantes. Não dá para assistir a essa destruição de braços cruzados e até estimulá-la, como alguns setores políticos irresponsáveis fazem. Para enfrentar a grave situação, o Consórcio Interestadual da Amazônia Legal apresentou neste mês o Plano de Recuperação Verde.

A iniciativa buscou o consenso dos governadores, que têm realidades muito particulares em seus estados. Das discussões e do estudo feito pela economista Laura Carvalho, da Universidade de São Paulo, nasceu a proposta com quatro eixos e investimentos previstos em 1,5 bilhão de reais na primeira fase. A ideia central é que não bastam somente as ações emergenciais ou repressivas. É preciso pensar o futuro da economia verde.

No plano, a avaliação de projetos leva em conta o impacto ambiental e socio­econômico em cada estado. Os quatros eixos são: freio ao desmatamento ilegal, produção sustentável, tecnologia verde e infraestrutura verde. O objetivo é oferecer possibilidades de trabalho e renda para os 30 milhões de moradores da região amazônica, com sustentabilidade ambiental.

Quando não se tem perspectiva econômica adequada para uma região como a Amazônia, proliferam as atividades criminosas. No segundo semestre de 2021, os noves estados do Consórcio Amazônia Legal farão intensa cooperação para combater desmatamento e queimadas ilegais. A agenda de curto prazo inclui ainda o diálogo com o governo federal. Não faz o menor sentido o congelamento de 2 bilhões de reais do Fundo Amazônia. Trata-se de algo a ser revisto por meio de negociações ou de decisão do Supremo Tribunal Federal. Outro ponto a ser debatido é a posição do Brasil na COP-26 de Glasgow, em novembro. É um preço altíssimo para o País a imagem de vilão na discussão ambiental, em nível mundial.

 


 

Nas questões de médio e longo prazos, os estados da Amazônia Legal se comprometeram com iniciativas para alcançar uma economia verde. Pretendemos efetivar o pagamento por serviços ambientais, inclusive com a captação de dinheiro no exterior. Quem preserva a floresta em pé deve ser remunerado por isso. Hoje, os incentivos vão em sentido contrário. Outro ponto relevante é a integração dos bioprodutos da Amazônia nas cadeias globais. Soja e minério se beneficiam muito do mercado internacional. É preciso fazer o mesmo com castanhas, pescados, açaí, além de desenvolver na região um complexo industrial da saúde. Ao mesmo tempo, os estados da Amazônia necessitam de uma infraestrutura de turismo, a exemplo do que se fez na Região Nordeste, com ganhos expressivos de emprego e renda.

Para fazer a transição rumo à economia verde, os estados da Amazônia Legal almejam o apoio de iniciativas globais como a Aliança Leaf. É dessa coalizão – integrada por Estados Unidos, Noruega e Reino Unido – que pleiteamos um aporte de 89 milhões de reais para que os estados se preparem institucionalmente para o funcionamento de sistemas jurisdicionais de REDD+. Trata-se de um mecanismo nascido na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima para recompensar os resultados de redução de emissões de gases de efeito estufa derivados do desmatamento e da degradação florestal. Esses pagamentos por resultados, previstos no Marco de Varsóvia para REDD+, são decisivos para o futuro da Amazônia e para a segurança climática do planeta.

Mudar a realidade econômica e social da Amazônia deve ser a meta de um novo projeto de desenvolvimento. Todos nós vimos o que ocorre quando uma pandemia como a de Covid-19 atinge uma região carente de serviços e recursos. O choque trazido pelo coronavírus evidenciou desigualdades regionais, agravou a crise econômica e deixou marcas profundas de insegurança alimentar em nossa população.

Sem políticas públicas efetivas, a Amazônia corre o risco de chegar a níveis irreversíveis de devastação. A revista Nature mostrou que a floresta amazônica já emite mais gás carbônico do que absorve. Não é hora apenas de retórica, nem de paralisia derivada de preconceitos e desconfianças. A soberania nacional sobre a Amazônia é indeclinável. Mas isso exige a busca de ampla cooperação com governos, entidades e empresas para que o Brasil seja um dos principais garantidores de um mundo com bem viver para as atuais e futuras gerações. E que sejamos reconhecidos por este papel global.

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