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O campo progressista e uma nova política de segurança pública

Uma política de segurança pública eficaz começa necessariamente pela valorização dos policiais. O campo progressista não pode se abster desse debate

O campo progressista e uma nova política de segurança pública
O campo progressista e uma nova política de segurança pública
Foto: Agência Câmara
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Tenho dialogado muito com policiais militares, civis e penais do Rio de Janeiro sobre os problemas e soluções para a segurança pública no estado. Certo dia, um desses PMs me questionou sobre a falta de prioridade que políticos do campo progressista historicamente têm dado ao tema, que foi fundamental para a eleição de Jair Bolsonaro em 2018.

Esse agente ponderou que existem policiais dentro da corporação muito sensíveis a assuntos que fazem parte da agenda mais ampla da centro-esquerda, mas que, quando a prosa vai no rumo da segurança pública e do trabalho policial, há um silêncio de parte do campo progressista, o que dificulta a criação de vínculos com os trabalhadores.

Concordo com a crítica. Trabalho com segurança pública há décadas, muito antes de assumir meu primeiro mandato como deputado estadual em 2007, e tenho alertado muito sobre a necessidade de ampliarmos o debate, ouvirmos os policiais e apresentarmos ao País um projeto de segurança pública sustentável e propositivo que exponha soluções para os problemas provocados pelo aumento da criminalidade e da violência urbana.

A insegurança pública e a ação do crime organizado provocam impactos em diversos campos. Eles vão desde o medo que as pessoas sentem ao sair de casa até a corrosão do sistema político e os prejuízos provocados nas atividades econômicas – recentemente o jornal Extra mostrou que 80% da venda de gás no estado do Rio de Janeiro é controlada por traficantes e milicianos. Por isso é urgente que mais lideranças progressistas, em diálogo com os trabalhadores da segurança pública e especialistas da sociedade civil, ocupem esse espaço no debate nacional.

Uma política de segurança pública eficaz começa necessariamente pela valorização dos policiais. Isso significa pagamento de salários decentes, plano de valorização das carreiras, condições dignas de trabalho, investimento permanente em treinamento e promoções que sigam critérios técnicos, não políticos. Vou citar como exemplo o meu Rio de Janeiro para tratar sobre a realidade precária dos trabalhadores da segurança pública. Segundo pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, um soldado, que está na base da hierarquia da Polícia Militar, recebe um salário 36 vezes menor do que o de um oficial que está no topo da carreira, enquanto a diferença média nacional é de 15 vezes. Em março de 2021, a remuneração mais baixa de um praça no Rio foi de 1.193,36 reais.

É inaceitável que um trabalhador que arrisca a vida todos os dias receba um salário tão baixo e acabe tendo de fazer bicos nos horários de folga para conseguir sustentar a família com o mínimo de dignidade. É impossível que a política de segurança pública funcione nessas condições.

As polícias precisam ser modernizadas, o que inclui não só o aumento do soldo e a progressão na carreira, mas também com escalas de trabalho adequadas, equipamentos de segurança funcionais e assistência à saúde mental, em razão dos altos níveis de estresse a que os nossos policiais estão submetidos, devido às situações de violência extrema que eles vivem cotidianamente.

Do ponto de vista institucional, é preciso blindar as polícias das interferências eleitoreiras através de um sistema de governança técnico e eficiente, que seja baseado em planejamento, transparência, definição de protocolos de ação policial, produção de informações, estabelecimento de metas claras a serem atingidas, integração entre as polícias, pesados investimentos em inteligência e tecnologia e diálogo constante com a sociedade civil.

Em suma, precisamos construir um novo pacto social em defesa da vida que tenha como prioridade a redução das taxas de homicídio e o enfrentamento às milícias, ao narcotráfico e ao tráfico de armas, com foco na neutralização das suas fontes de poder econômico e político.

O Rio de Janeiro é exemplo dessa infiltração do crime organizado dentro das instituições do Estado. Não é à toa que cinco ex-governadores foram parar na cadeia e as conclusões a que chegamos na CPI das Milícias, que presidi em 2008, infelizmente continuam atuais. À época, apresentei 58 propostas reais para enfrentarmos de forma concreta e eficaz o problema, mas faltou vontade política às autoridades responsáveis.

Essa omissão é resultado da crise de autoridade e liderança que colocou o estado de joelhos. Nas últimas décadas, todos os governos trataram as polícias de forma eleitoreira, como instrumento de ação política e espetáculo midiático. Passou da hora de virarmos essa página e trabalharmos por políticas de segurança responsáveis e eficientes. É assim que vamos substituir a desordem do crime pela ordem da lei. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1193 DE CARTACAPITAL, EM 2 DE FEVEREIRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Rompendo o silêncio”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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