O Brasil dos endinheirados ainda prevalece

Qual é o interesse de uma pessoa endinheirada em querer manter o seu dinheiro em dólar fora do País?

Paulo Guedes e Jair Bolsonaro. Foto: Mauro Pimentel/AFP

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Sem o necessário debate e com uma pressa desnecessária, o Senado aprovou na última quarta-feira o chamado “novo marco legal do câmbio” (PL 5.387/2019), que pretende facilitar o uso da moeda brasileira em transações internacionais, libera as instituições financeiras brasileiras para investir no exterior recursos captados no País, permite as contas bancárias em dólar no Brasil e amplia o limite de dinheiro vivo que viajantes podem levar para o exterior dos atuais 10 mil reais para 10 mil dólares.

Junto com os demais integrantes da bancada do PT, votei contra a matéria e registrei em Plenário minha estranheza ante a proposta, por sua natureza e pela sua tramitação acelerada e sem maiores reflexões sobre o tema.

A bancada do PT havia apresentado, em novembro, requerimentos para a realização de uma sessão de debates sobre a matéria e também sua apreciação pelas comissões de Constituição e Justiça e de Assuntos Econômicos do Senado. Esses requerimentos foram retirados a partir de um acordo para que houvesse mais tempo de discussão da proposição antes da votação em Plenário. Isso, porém, não ocorreu.

A economia do País está em frangalhos — os dois últimos trimestres de PIB negativo oficializaram em números a penúria que a população enfrenta cara a cara, há bastante tempo. O desemprego não dá trégua e a inflação galopa. Há muito o que discutir e fazer e, se o Executivo não se importa com as agruras enfrentadas pelo povo, talvez não fosse tarefa do Senado dar prioridade a uma matéria que interessa apenas a quem pode ter contas em dólar? Qual é a urgência e a relevância de ampliar de 10 mil reais para 10 mil dólares a quantidade de dinheiro vivo que um turista pode carregar consigo para o exterior? Com o dólar cotado a quase 6 reais, quantos são os brasileiros que podem se dar ao luxo de transportar 60 mil na bagagem?

Qual é o interesse de uma pessoa endinheirada em querer manter o seu dinheiro em dólar fora do País? É verdade que chegamos à caçoada de termos um ministro da Economia que protege seu patrimônio das cabeçadas dele mesmo guardando seu dinheiro em paraísos fiscais. Mas enquanto metade da população padece de insegurança alimentar—da incerteza sobre a próxima refeição—qual a urgência e relevância de um projeto que cria salvaguardas para apenas meia dúzia de felizardos poderem se blindar da péssima gestão da economia brasileira?

A proposta aprovada passou recibo, naturalizou o fato de que o povo brasileiro está encarcerado em um laboratório de práticas econômicas menguelianas, mas sempre há tempo e disposição para se blindar os ricos em dólar.


Há quem alegue que o projeto favorece quem vai reinvestir no exterior e tem empresas ou filiais fora do País. Mas esses casos muito específicos já são tratados pelo Banco Central e ocorrem normalmente, tanto é que a economia não sofreu nenhum baque até hoje com a legislação até agora vigente.

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