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Extrema-direita quer fazer da chacina um projeto político

O Brasil precisa parar de enterrar seus policiais e os jovens negros e pobres em nome de uma falsa guerra

Extrema-direita quer fazer da chacina um projeto político
Extrema-direita quer fazer da chacina um projeto político
O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL) – Foto: Pablo PORCIUNCULA / AFP
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Duas semanas após a maior chacina deste século no Brasil, sobram muitas perguntas, várias preocupações e uma certeza.

As perguntas são quase todas para o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), maestro perverso da matança disfarçada de operação que deixou mortas ao menos 117 pessoas das comunidades da Penha e do Alemão, além de quatro policiais, em 28 de outubro. Castro precisa responder:

  • Quem vazou a “Operação Contenção” para a cúpula da organização criminosa (que escapou em peso, já que, dos 100 mandados de prisão, apenas 20 foram cumpridos)?
  • Por que duas mil câmeras corporais (de um total de 2,5 mil policiais) não funcionaram na hora da “operação”?
  • Como justifica que nenhum dos 117 mortos era alvo dos mandados expedidos naquela “operação”?
  • Como explica o assassinato de (ao menos) 17 pessoas sem antecedentes criminais?
  • Havia uma ordem explícita para os policiais executarem os suspeitos com tiros na nuca, golpes de faca, cortando cabeças, esquartejando corpos?
  • Por que constranger familiares e proibir acesso de defensores públicos aos corpos no IML?

Há muitas outras perguntas que o governador precisa responder à sociedade. E elas estão sendo feitas na Justiça. O STF já determinou que o governo do Rio envie os laudos de autópsia dos 121 mortos, apresente os relatórios de inteligência que embasaram a “ação” e preservem as imagens das câmeras corporais. Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunal de Justiça do Rio também terão de dizer se os objetivos da “operação” foram cumpridos e os direitos dos familiares dos mortos, respeitados.

O comportamento do governador, e da extrema-direita em geral, logo após a chacina causa preocupações ao campo democrático, principalmente pelo uso político que tem sido feito desta mortandade. É evidente que a “operação” teve motivações político-eleitorais, além de um esforço para mudar a pauta do País, muito negativa para a extrema-direita. Afinal, Lula (PT) vem sendo reconhecido nas pesquisas por sua atuação política, ações de governo contra a traição dos bolsonaristas e pela repercussão da condenação de Jair Bolsonaro (PL) e do núcleo crucial do golpe.

A chamada “Operação Contenção” não saiu apenas da cabeça do governador do Rio, obviamente. Todo o campo bolsonarista quis pegar carona na popularidade recuperada a tiros por Castro: enquanto propagandeava ter “neutralizado” apenas “marginais” e exaltava a bravura dos “heróis” policiais (enviados por ele mesmo para uma morte desnecessária), seu nome subia nas primeiras pesquisas. Vendida como sucesso absoluto nos primeiros dias, resta saber se Castro conseguirá esconder as mãos sujas de sangue diante dos fatos que revelam a verdadeira face da “operação”: ineficaz, despreparada, criminosa e cruel. 

Preocupa também a inconsequência política da direita, que seguiu Castro na artimanha mentirosa de tentar acusar o governo federal de não agir contra o crime organizado. O governo Lula atendeu aos 11 pleitos do governo do estado. Na verdade, é a oposição direitista que se opõe à PEC da Segurança Pública do Ministério da Justiça, temendo a investigação das relações financeiras e políticas com o crime que têm sido feitas pela Polícia Federal.

A proposta do governo Lula é combater as organizações criminosas de maneira articulada com estados e municípios, como fez no fim de agosto a PF, ao lado da Receita Federal e outros órgãos, na maior operação contra o crime organizado da História do Brasil, que desbaratou uma rede ligada ao PCC de adulteração de combustíveis e lavagem de dinheiro na Faria Lima. Detalhe importante: sem dar um tiro. Mas este tipo de investigação, que mira o “andar de cima” do crime, não interessa à oposição (por que será?). Preferem repetir, como um bando de guaidós, a mentira do “narcoterrorismo” para forçar uma intervenção dos EUA no Brasil.

Em troca de votos, a extrema-direita vende barato a nossa soberania. E faz articulações nada sutis, como a proposta pelo secretário de Segurança de São Paulo (e aliado político do bolsonarista Tarcísio de Freitas), Guilherme Derrite, que voltou à Câmara para relatar o projeto de lei antifacção criminosa, enviado por Lula ao Congresso.

O relatório de Derrite, um ex-policial que sempre defendeu a tese falaciosa do “bandido bom é bandido morto”, corrompe o projeto do governo federal e protege o crime organizado e suas alianças, pois esvazia a atuação da PF. Foi considerado um verdadeiro “presente de Natal para as facções” pelo Ministério da Justiça, e ganhou notas de repúdio da Polícia Federal e da Receita. Se for aprovado com as alterações que a extrema-direita quer, o PL limitará muito o trabalho independente da PF e do Ministério Público.

Preocupa também que este PL tenha sido pautado em uma semana em que a Câmara está esvaziada por conta da COP30. Ainda mais por ter sido relatado por um parlamentar que sabidamente levará o  texto a grandes contradições, como a associação das organizações criminosas a ações terroristas. Mais do que tudo, preocupa a sede de sangue redobrada de Cláudio Castro após as pesquisas recentes. O governador anunciou mais dez “operações de retomada” de territórios que estão nas mãos do tráfico, todas em áreas que foram “tomadas” da milícia nos últimos anos.

Resta uma única e triste certeza: o medo. Mas há também muita disposição para a luta. “Uma hora tudo vai vir à tona”, diz uma liderança comunitária. Integrei a Comissão Externa da Câmara, juntamente com a Comissão de Direitos Humanos, que fez uma visita técnica no Rio após a “operação”. Fomos à Penha, ao IML, conversamos com os familiares dos mortos e vamos encaminhar ao STF todo o material reunido pelos moradores — fotos, vídeos, depoimentos e um relatório do que foi apurado.

Precisamos combater o crime organizado com coragem e firmeza, com inteligência e reocupação dos territórios, asfixiá-lo financeiramente e preparar a polícia para ações que não ameacem vidas da corporação e da sociedade. O Brasil precisa parar de enterrar seus policiais e os jovens negros e pobres em nome de uma falsa guerra. Oportunidade para esses jovens, Justiça e direitos humanos não são obstáculos; são o único caminho possível.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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