Frente Ampla
Bolsonaro queria facilitar a vida das milícias virtuais, mas Congresso não deixou
Com MP das Fake News, presidente queria ‘instituir o liberou geral para sua jagunçada cibernética’, escreve senador
As milícias virtuais que atuam no subterrâneo da internet têm sido um braço fundamental na sustentação do deletério projeto que tem Bolsonaro como figura de proa. Não é de hoje que a indústria da mentira nas redes sociais contribui para fraudar a construção de opinião, atentando contra a democracia, contra as instituições e contra a credibilidade da política — o processo de diálogo, mediações e construções coletivas.
O terrorismo eletrônico é a principal arma da extrema-direita e tem extrapolado sua ação perniciosa para todas as esferas. Basta ver a campanha sórdida contra a saúde pública que se escora em publicidade de falsos medicamentos contra a Covid-19, no achincalhe às medidas de proteção da população e no estímulo a comportamentos temerários.
Foi com muita satisfação, portanto, que acompanhei, no Plenário do Senado, a rejeição sumária e devolução da Medida Provisória 1.068, editada por Bolsonaro para facilitar a vida dessas milícias virtuais, pretendendo proibir as redes sociais de excluírem publicações ou contas que promovam notícias falsas.
A devolução da chamada MP das Fake News, anunciada pelo presidente do Senado e do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), é uma demonstração de que o Legislativo não se omite frente a essa prática inescrupulosa que tanto mal tem feito ao Brasil — outro exemplo é a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investiga a indústria de notícias falsas nas redes sociais, da qual sou membro titular e cuja retomada plena dos trabalhos tenho defendido com insistência.
A CPMI das Fake News foi criada para investigar ataques cibernéticos e o uso de perfis falsos para fins de calúnia na campanha eleitoral de 2018, além do chamado cyberbullying e o aliciamento de crianças e adolescentes por meio da rede mundial de computadores.
Os desdobramentos dos trabalhos da CPMI direcionaram a investigação também aos ataques a instituições — como os poderes Legislativo e Judiciário — e personalidades públicas.
A MP sumariamente rejeitada pela Mesa Diretora do Congresso Nacional é uma peça inqualificável. Um espetáculo de cinismo que catapulta o conceito de “legislar em causa própria” a um patamar que só o governo Bolsonaro poderia engendrar.
A canetada do presidente da República atropelou os requisitos formais para a edição de uma MP e até mesmo uma matéria tratando da mesma questão — mas com orientação diversa — já aprovada no Senado e, atualmente, sob análise da Câmara dos Deputados.
Mas isso não é o mais grave — embora seja importante destacar o uso indiscriminado e descomedido que Bolsonaro vem fazendo da edição de medidas provisórias.
O mais grave é mesmo o teor da casuística tentativa de Bolsonaro de instituir o “liberou geral” para sua jagunçada cibernética.
A MP das Fake News foi editada na véspera de uma movimentação bolsonarista que ameaçou atacar instituições e integrantes de Poderes. Foi a tentativa de abrir uma janela de impunidade para crimes contra honra, ameaças, incitações e estelionato—práticas que a extrema-direita desfila nas redes sociais pretendendo abrigá-las sob a fantasia de “liberdade de expressão”.
Ao comentar a “façanha”, Bolsonaro recorreu a sua contumaz desfaçatez: segundo o ocupante do planalto, fake news são algo banal, que “morre por si só, não vai pra frente”. Mas o que não foi para a frente foi sua investida imoral.
Devidamente despachada para a lata de lixo, a MP “Minha mentira, minha vida” já não pode impedir que as redes sociais retirem do ar as fraudes, a desinformação, as ameaças e as calúnias.
Como disse o senador Rodrigo Pacheco, a mera edição da malsinada MP—com eficácia imediata e rito abreviado para sua apreciação—já foi suficiente para atingir, de modo intolerável, as prerrogativas do Congresso Nacional e o ordenamento jurídico brasileiro.
Talvez seja querer demais que um Poder Executivo chefiado por Bolsonaro não se intrometa na atividade legislativa para proteger seu projeto político amparado na mentira. Mas o pé na porta foi devidamente travado pelo Legislativo. O recado foi dado.
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