Frente Ampla

Autonomia para matar de fome

Por que a autonomia não garantiu o controle da inflação? A resposta é simples. Não é um Banco Central autônomo a solução para as mazelas econômicas

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Foto: Raphael Ribeiro/BCB
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Quando o Congresso Nacional debateu e aprovou a proposta de autonomia do Banco Central, apresentamos dados sólidos para justificar o voto contrário. Tratava-se de um projeto estrutural do mercado financeiro e de seus agentes, que priorizava, entre as políticas públicas, a estabilidade da moeda sobre todas as demais políticas. 

Com o apoio da base governista a proposta virou realidade e deu ao Banco Central a autonomia formal para definir os meios de alcançar essas metas, especialmente traçadas para priorizar a estabilidade da moeda e do sistema financeiro sobre todas as demais demandas econômicas e sociais, uma verdadeira blindagem contra pressões políticas. 

Ocorre que as definições relativas à política monetária não são estritamente técnicas. Elas obedecem aos interesses e prioridades que garantem que, mesmo nos momentos de grandes crises, os segmentos econômicos e sociais que mais se beneficiam sejam os detentores dos maiores patrimônios financeiros. Não bastassem esses argumentos, ainda alertamos que votar essa matéria em plena pandemia subverteria as prioridades inequívocas de enfrentamento ao coronavírus e de mitigação aos seus efeitos sociais, sanitários e econômicos. 

A autonomia do BC não veio para combater a pobreza ou o crescimento do desemprego. Um ano após a edição da Lei, os resultados comprovam nossos argumentos. As manchetes econômicas apontam que o BC perdeu controle da inflação em 2022. Já não escondem que se concentram em 2023 porque a meta para 2022 tornou-se inviável. E as consequências da inflação descontrolada são terríveis. Quem as resumiu bem foi o presidente do Conselho Federal de Economia, Antônio Corrêa de Lacerda. Em matéria ao portal UOL ele foi taxativo ao afirmar que “a inflação que temos hoje empobrece o brasileiro, que tem seu poder de compra reduzido, pois alimentos, tarifas públicas, gás de cozinha, combustíveis, energia, tudo tem subido muito acima da inflação, e a renda não vem crescendo”.  A mesma matéria informa que a cesta básica hoje custa quase 50% mais que em 2020.

 A pergunta é: por que a autonomia não garantiu o controle da inflação? A resposta é simples. Não é um Banco Central autônomo a solução para as mazelas econômicas. 

Um governo sério e comprometido com o bem estar do conjunto da sociedade, especialmente os menos favorecidos, deve poder intervir na política econômica quando a inflação e os juros trazem prejuízos imensuráveis que resultam em fome, miséria, desemprego e estagnação econômica.

Já um governo sem qualquer noção de seu papel entrega esta responsabilidade para o mercado e fecha os olhos para quem está tendo que escolher entre pagar a conta de luz ou comer; para os que viram estatísticas ao desistir de buscar uma vaga no mercado de trabalho, porque não há; e para os que sofrem com uma política cambial e de preço dos combustíveis que encarece os produtos necessários à sua subsistência.

Isso é autonomia para beneficiar poucos e matar muitos de fome.

Trocamos a possibilidade real que o governo teria de exercer seu papel por uma falsa promessa de que a autonomia permitiria ao BC controlar a inflação e a estabilidade da moeda. Não precisou de muito tempo para verificarmos que a barganha trouxe nada além de prejuízos.

A lista para a reconstrução do país, após tirarmos este governo entreguista, corrupto, inepto e insensível do poder, é grande. Muitos falam, com razão, da revogação da reforma trabalhista e da emenda que estabeleceu um teto de gastos. Outros defendem a volta do Ministério da Cultura e uma política de Saúde e Educação voltada para a valorização dos serviços públicos. Há os que contam os dias para que a política de preço da Petrobras nos permita recuperar investimentos para o refino do petróleo e ter maior controle sobre o valor dos combustíveis. 

Talvez esteja na hora de também somarmos a esta lista o debate sobre a autonomia do Banco Central. 

 

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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