Frente Ampla

Acreditaram em mim

Neste março, além de defender e celebrar a democracia restabelecida, marchamos pelo fim da violência contra as mulheres

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Foram 6 anos difíceis para a luta feminista. Chegamos a este 8 de março de 2024 – Dia Internacional da Mulher – com um misto de sentimentos. Atravessamos juntas as consequências de um duro golpe que impôs à primeira presidenta eleita um impeachment sem crime. Denunciamos os abusos de um governo contra nossos direitos. Lutamos para que a democracia prevalecesse e, com muita esperança, tomamos as ruas para eleger Lula presidente.

O cenário deste 8M é muito diferente. Antes resistíamos aos retrocessos, agora vemos perspectivas concretas de avanço em várias pautas. Temos um Ministério no governo Lula que defende os direitos das mulheres. Já no primeiro ano de governo a política de igualdade salarial ganhou corpo, apoio e virou lei. Uma lei que devemos cobrar para que se torne realidade nas empresas. À nossa frente projetos importantes começam a caminhar. Avança na Câmara dos Deputados o projeto de minha autoria que garante o direito à aposentadoria em reconhecimento ao cuidado materno. Trabalhamos para que seja garantida a licença menstrual remunerada de três dias consecutivos, todos os meses, às mulheres que comprovarem sintomas graves associados ao fluxo menstrual. Mantemos com vigor a luta para implementar políticas voltadas a combater todo tipo de violência. Feminicídio é inaceitável e ainda acontece em todo o país.

Neste ano de eleições municipais, é preciso enfrentar a violência política de gênero, para que mais mulheres sejam candidatas e, eleitas, sejam respeitadas em sua opção pela vida pública. Não menos relevante é frear a violência no terreno digital e principalmente com o uso da inteligência artificial para cometer crimes contra as mulheres. Neste sentido, apresentei projeto para que sejam majoradas as penas do crime de violência psicológica contra a mulher quando cometido mediante uso de inteligência artificial e aumentando a pena cominada ao crime de divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável.

Com o avanço da tecnologia e a disseminação do uso de redes sociais e aplicativos eletrônicos, os infratores passaram a utilizar ferramentas cada vez mais sofisticadas para cometer delitos. Atualmente, a inteligência artificial é empregada para criar deepfakes – imagens, vídeos ou áudios falsos que parecem autênticos – e, assim, falsificar fotografias e vídeos de cunho sexual. Há que se coibir este tipo de ilicitude de todas as maneiras possíveis.

São muitas as frentes, todas fundamentais para podermos alcançar a igualdade de gênero. Porém, concentro este texto numa delas pela relevância e simbolismo para todas as mulheres vítimas dos mais diversos tipos de violências que tiveram a coragem de denunciar, mesmo sabendo que poderiam ser humilhadas, desacreditadas e até vítimas de violências ainda mais graves.

O Congresso aprovou o protocolo “NÃO É NÃO”, para prevenir o constrangimento e a violência contra a mulher em ambientes nos quais sejam vendidas bebidas alcoólicas, como casas noturnas, boates e casas de espetáculos musicais em locais fechados ou shows. A Lei foi inspirada na legislação espanhola e ficou bastante conhecida após o caso Daniel Alves, condenado a quatro anos e meio de prisão por agressão sexual. As palavras da vítima ao ouvir a sentença são como uma navalha a atravessar nossos corações: “ACREDITARAM EM MIM”.

Ainda na boate, onde sofreu a violência, a vítima resistia a denunciar. Repetia a todo instante, “ninguém vai acreditar em mim”. Sabia que o agressor se cercaria de toda a sua influência – econômica e pelo status de celebridade esportiva – para sair impune. A ela restariam a humilhação e o impacto psicológico. Mas, o protocolo foi seguido. A denúncia foi efetivada. Familiares do jogador tentaram, às vésperas do julgamento, ganhar a simpatia da opinião pública com um vídeo ofensivo à vítima. O desfecho mostrou a importância de uma lei que proteja as vítimas e as informe sobre seus direitos.

Hoje temos também a Lei. A pergunta que fica é até quando viveremos com o descrédito. Mais do que a Lei, precisamos que a justiça acredite em nós. Que acolha e receba as mulheres vítimas de violência sem pré-julgamentos. Queremos que a sociedade entenda que os efeitos da violência sofrida são duradouros e não podem se somar às dificuldades para enfrentar o processo. É pedir demais que a palavra da vítima seja considerada? Que ela não seja humilhada em depoimentos? Hoje a humilhação acontece. Basta ver o caso Mari Ferrer

Influência e poder econômico não devem ditar sentenças. Esta luta desigual tem que acabar. Queremos ser respeitadas em nossa condição de mulheres. Neste março, além de defender e celebrar a democracia restabelecida, marchamos pelo fim da violência contra as mulheres. Se o lema das Nações Unidas para celebrar a data é “Investir nas mulheres, acelerar o progresso”, o nosso deverá ser “Acreditar nas mulheres, garantir a igualdade”.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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