Diversidade

A importância de reconhecer os idiomas de origem afro como patrimônio imaterial de São Paulo

A cidade com a maior população negra absoluta fora do continente africano tem a história marcada pela influência yorubá, bantu e fon

Mulheres do bloco paulistano Ilu Obá de Min (Reprodução/Facebook)
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Mo juba, meus respeitos, aos povos originários do continente africano que enganaram a lógica da árvore do esquecimento e semearam nossa terra, pós-travessia forçada da Kalunga, o mar, em quicongo, com seus conhecimentos, tecnologias e espiritualidade preta e, sobretudo, em idiomas que constituem marcos civilizatórios destes povos e do nós, na contemporaneidade de ser negro no Brasil.

É indiscutível a necessidade de garantir a preservação destes saberes fundantes da nossa sociedade para que sejam dignamente atingidos, não por pedras e ataques, mas com políticas públicas de fomento cultural, de preservação, de registro de memória tradicional, de garantia territorial e de cidadania.

Por isso, protocolei recentemente uma recomendação no Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico, o CONDEPHAAT, em que solicito o registro de patrimônio imaterial para os idiomas de matriz africana: yorùbá, bantu e fon.

Os povos bantu, yorubas e fons constituem inestimável contribuição cultural e de visão de mundo e sociedade. Idiomas oriundos destes troncos culturais e linguísticos são cantados, ritualizados e preservados secularmente nas comunidades tradicionais de matrizes africanas em todo o território nacional.

São Paulo, a cidade com a maior população negra, em termos absolutos, fora do continente africano, tem em sua história, sobretudo no último século, a perpetuação de territórios tradicionais: Ilés (Ketu/Nagô), Kwes (jeje), Abassás (Angola/Congo) e Inzos (Angola/ Congo), fonte de axé, ngunzo e acè – força vital ancestral africana advinda dos orixás, inquices e voduns, verdadeiras fortalezas, guardiãs de saber imensurável e patrimônio intangível.

O mesmo se pode dizer das manifestações culturais como o Afoxé Ile Omo Dada, os blocos afros Ilú Oba de Min e Ilú Inã, que, junto a outros grupos de manifestação de cultura preta, tem, em seu vasto repertório musical e cênico, a utilização de expressões, cantos e rezas em idiomas pertencentes ao léxico do terreiros.

O reconhecimento do público e legados não é fato isolado. Vale lembrar que a prática milenar de comunicação divinatória de Ifá, elemento central da cultura yorubá, foi considerado Patrimônio Imaterial Cultural da Humanidade pela Unesco, em 2008. Também em processo pela Unesco, a salvaguarda imaterial do meridilogun, sistema de comunicação com os orixás, popularmente conhecido como jogo de búzios, que aqui no Brasil é massivamente presente nas comunidades de terreiro, independente da sua nação ou tronco linguístico de origem.

Tiganá Santana, importante pesquisador da cultura bantu e da visão de mundo Bakongo, também nos brinda, em seus estudos, com a memória oral da grande e saudosa Makota Zimewanga – a eterna Makota Valdina, liderança histórica na luta antirracista e na luta pelo resgate e preservação das tradições bantu em território nacional.

São memórias que têm permitido, há décadas, o fortalecimento de alianças diplomáticas e culturais com lideranças políticas e tradicionais, em particular angolanas e congolesas. Muitas dessas construções foram capitaneadas por Taata Katuvanjesi Walmir Damasceno, autoridade tradicional do Inzo Tumbansi, comunidade tradicional de matriz Congo/Angola, em Itapecerica da Serra (SP), que recebeu a rainha do Congo Diambi Kabatusuila, em 2019.

A vinda a Salvador, na Bahia, do Oba Adeyemi III, Alaafin (rei) soberano da cidade de Oyó na Nigéria, Rei de Oyo, o supremo guardião da história e costumes das terras yorubas, em 2014 – que reconheceu os territórios tradicionais de culto nagô/ketu, origem yorubá, como representantes da cultura yorubá no Brasil – é exemplo também.

Nesse sentido, reconhecer os idiomas de origem yorubá, bantu e fon como patrimônio imaterial do estado de São Paulo não busca legitimidade para estas culturas ancestrais africanas em território paulista, pois não é este o papel governamental, mas é uma provocação direta e contundente à institucionalidade paulista no sentido de avançar na elaboração de planos de salvaguarda desses bens imateriais, da sua proteção e divulgação.

Avançar no combate ao racismo presente nas relações do Estado com os territórios tradicionais de matrizes africanas, nossas comunidades de terreiro – espaços mantenedores da africanidade cantada, ritualizada e falada  – que são cotidianamente vítimas de alguma forma sistêmica de violência, seja ela simbólica ou material – é uma obrigação do poder público paulista.

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