Orlando Silva

É deputado federal (PCdoB-SP)

Opinião

Frente ampla contra os juros altos isolou herança bolsonarista no Banco Central

Esperamos que venha um ciclo de queda na Selic que ajude o Brasil a destravar crédito e investimentos públicos e privados

Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
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Nesta quarta-feira, o Conselho de Política Monetária do Banco Central decidiu por um corte de 0,5% na taxa básica Selic. Foi a primeira queda após um prolongado ciclo de aperto que já chegava há 3 anos.

Não havendo mais como manter os juros pornográficos, os conselheiros se dividiram sobre o tamanho da redução, se 0,25% ou 0,5%, tendo prevalecido o último por 5 a 4. Vencidos, foram forçados a assumir a rota de redução em meio ponto nas próximas reuniões, o que é uma vitória para o Brasil.

A essa altura, a política contracionista do Banco Central já cheirava a sabotagem, um cavalo de Troia deixado pelo bolsonarismo para atrapalhar o novo governo. Porém, impedir o crescimento econômico prejudica o país e, como resultado, o BC passou a entrar na mira de uma ampla gama de agentes políticos, econômicos e sociais. Pudera, tornou-se injustificável a taxa extorsiva de 13.75%, sob qualquer ótica que leve em conta o que acontece no mundo real.

A inflação, que chegou a 12% com Bolsonaro e justificou parcialmente o ciclo de alta dos juros, tem cedido mês a mês, a ponto de experimentarmos deflação de 0,08% em julho. No acumulado de 12 meses, a variação dos preços é de 3,16% e, mesmo que tenha maior alta neste 2º semestre, deverá fechar 2023 na casa de 5%.

Até mesmo as tais agências de classificação de risco, cujas opiniões são tão caras à turma da Faria Lima, passaram a reconhecer solidez nos fundamentos macroeconômicos brasileiros e já melhoraram a classificação do país em seus rankings.

Para o bem ou para o mal, a pauta econômica tem andado no Congresso Nacional, com apoio dos presidentes das Casas e da maioria dos líderes. Inacreditavelmente, até a reforma tributária passou na Câmara e deve andar no Senado. O ministro Fernando Haddad tem se esforçado, dialogado com o parlamento e construído pontes com o mercado financeiro. Confesso que inclusive tenho ressalvas quanto a determinadas medidas, como o tal Arcabouço Fiscal, que considero restritivo a investimentos públicos necessários, mas votei em atenção à decisão partidária e para fortalecer o governo.

Nesse cenário, a herança bolsonarista no Banco Central foi se isolando cada vez mais. Arguto e experiente, o presidente Lula foi o primeiro a puxar o coro pela redução imediata dos juros, ainda nos primeiros dias de gestão, no que foi seguido em uníssono pelo vice, Geraldo Alckmin, por diversos ministros e parlamentares da base.

Não tardaram as manifestações da indústria. Josué Gomes da Silva, que além de presidente da Fiesp é um quadro preparado, atacou o âmago do problema em discurso proferido ainda em março. “É inconcebível a atual taxa de juros no Brasil. Muitos querem associá-la a um problema fiscal. A tese é que há um abismo fiscal. Abismo fiscal num país que tem 73% do PIB de dívida bruta. Tirando as reservas [cambiais] são mais ou menos 54% de dívida. Tirando o caixa do Tesouro Nacional, são menos de 45% do PIB de dívida líquida, num país com a riqueza do Brasil. Então esta não é uma boa explicação para as pornográficas taxas de juros que praticamos no Brasil”, disse.

Os movimentos sociais foram às ruas. As centrais sindicais e entidades estudantis começaram a fazer manifestações em frente à sede do BC. E com razão! É inconcebível que o governo tenha que contingenciar investimentos em Saúde e Educação, enquanto a autoridade monetária torra bilhões e bilhões elevando artificialmente o custo da rolagem da dívida pública.

Mesmo a mídia tradicional não adotou a tradicional postura de blindagem da ortodoxia neoliberal. No início, houve muita grita contra o presidente Lula por alvejar Roberto Campos Neto e a autonomia do BC. Mas, há pelo menos duas reuniões do Copom atrás, articulistas começaram a criticar o que seria um descolamento da realidade e uma espécie de “queda de braço” política que ignorava os fundamentos econômicos e os interesses do país.

Simbólico do isolamento que o Banco Central e seu presidente se autoimpuseram, ninguém menos que João Amoêdo, ex-presidente do Novo e ultraliberal de carteirinha, foi às redes sociais nos últimos dias afirmar que se o corte fosse de apenas 0,25%, seria “um enorme desperdício de dinheiro público”, porque cada “1 ponto da Selic aumenta a dívida pública em cerca de 38 bilhões de reais por ano”. Esse post poderia ser meu ou de qualquer deputado de Esquerda.

Em suma, objetivamente, com base em uma pauta concreta, formou-se uma frente ampla unindo o governo federal, o povo, a maior parte dos políticos, importantes representações do capital produtivo e até mesmo parcelas do mercado para chacoalhar o enclave bolsonarista no BC. Esperamos que venha um ciclo de queda na Selic que ajude o Brasil a destravar crédito e investimentos públicos e privados, produzindo a esperada retomada do crescimento.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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