Jamil Chade

Jornalista, correspondente internacional, escritor e integrante do conselho do Instituto Vladimir Herzog

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Financiadores do fascismo

Os bilionários Elon Musk e Robert Shillman enchem os bolsos de líderes da extrema-direita nos EUA e na Europa

Financiadores do fascismo
Financiadores do fascismo
Da esquerda para a direita, Elon Musk e Robert J Shillman. Foto: Molly Riley/Casa Branca Oficial | Cogex Corp / Divulgação
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Com ambição e estratégia, a extrema-direita mundial organiza-se para se estabelecer como um poder incontornável e abalar as estruturas da democracia no Ocidente. Para isso, não hesita em explorar a angústia dos desiludidos e o ódio. Mas, acima de tudo, ergue uma verdadeira rede internacional de apoio capaz de financiar arautos do neofascismo.

As ruas de Londres se transformaram num espelho do que o mundo democrático terá de lidar. Instigada por Elon Musk e organizada por um criminoso, a marcha de 150 mil extremistas contra a imigração foi um verdadeiro terremoto político. Seu líder, Tommy Robinson, já cumpriu cinco mandados de prisão em 20 anos. No Twitter, teve a conta com 400 mil seguidores bloqueada por entoar o racismo e a xenofobia explícita como bandeira. Mas Musk, quando transformou a plataforma em X, restabeleceu o espaço para o britânico. Em poucos meses, ele passou a ter 1,4 milhão de seguidores. O bilionário sul-africano, segundo o US ­Center for Countering Digital Hate, faturou milhões com a volta do ativista britânico às redes sociais. Musk, enquanto isso, passou a pressionar partidos de extrema-direita no Reino Unido a considerar a adesão do ativista em seus quadros.

Dias antes da marcha, as estimativas da polícia local eram de que, no máximo, 40 mil apareceriam para o evento. Pelas ruas de Londres, com uma massa quatro vezes maior, Robinson mostrava-se vingativo. “Eles nos subestimaram”, alertou. Num telão gigante, Musk mandou uma mensagem de confronto. “Ou lutamos ou morremos”. Sua proposta: dissolver o Parlamento britânico.

A demonstração de força não foi um ato isolado. Robinson passou a ser apoiado financeiramente por bilionários norte-americanos. Um deles, Robert Shillman, tem bancado movimentos pela Europa e nos EUA há anos, graças à fortuna amea­lhada no setor de tecnologia. Robinson chegou a receber um salário do bilionário para supostamente aparecer como comentarista de um canal nas redes sociais.

O mesmo Shillman destinou 200 mil euros para o líder da extrema-direita holandesa, Geert Wilders, se defender nas Cortes contra processos que o acusavam de xenofobia e racismo. Em retribuição, o holandês passou a defender o britânico Robinson sempre que ele era detido.

Em 2017, o bilionário recebeu Wilders para uma premiação nos EUA. Num discurso, apontou para a necessidade de uma “luta existencial” para proteger o Ocidente dos ataques de “islamistas e da esquerda, que querem nos destruir”. Naquele instante, ele abriu um cheque e, com uma caneta, anunciou: “Forneço munição para aqueles que estão na linha de frente”.

Em casa, Shillman foi ainda mais generoso. Seu dinheiro financiou a influenciadora Katie Hopkins, que chegou a comparar imigrantes a baratas. Outra beneficiada do dinheiro do bilionário foi Laura ­Loomer, conselheira extra-oficial de Donald Trump e uma das principais disseminadoras de teorias conspiratórias. Seu dinheiro ainda engordou as diferentes campanhas de Trump. Em 2016, ele bancou um cartaz gigante na Times Square, em Nova York, mostrando o republicano como ­Superman. Central ainda no destino do dinheiro de Shillman tem sido o Project ­Veritas, uma operação cuidadosamente desenhada para espalhar desinformação.

Havia, no entanto, uma grande aposta no talão de cheque de Shillman: a turnê de Charlie Kirk pelas universidades norte-americanas e seu programa Turning Point USA. Em 2022, Kirk recebeu o bilionário em seu podcast. O episódio falaria das “lições de vida” de Shillman. O influenciador ainda descreveu o bilionário como um “apoiador incrivelmente generoso do Turning Point USA”.

Não por acaso, quando o cativante arauto da juventude ultraconservadora foi morto, a extrema-direita rapidamente uniu-se com uma mensagem coe­sa: uma declaração de guerra à esquerda e a transformação do ativista numa espécie de mártir global extremista.

Trump, horas depois de confirmada sua morte, afirmou que a esquerda é “diretamente responsável pelo terrorismo que estamos vendo em nosso país hoje”. Prometeu ainda que seu governo encontraria “todos e cada um daqueles que contribuíram para esta atrocidade e para outras violências políticas, incluindo as organizações que as financiam e apoiam”.

“A esquerda é o partido do assassinato”, postou Elon Musk. “A esquerda é terrorista”, escreveu Loomer. “Precisamos calar esses esquerdistas lunáticos. De uma vez por todas. A esquerda é uma ameaça à segurança nacional.” Pelas redes sociais, uma hashtag ganhou força: “Guerra civil”.

Imediatamente, nas ruas de Londres, os organizadores da marcha de Robinson usaram a morte de Kirk para convocar apoiadores para o evento. E funcionou, acendendo todos os alertas entre as democracias sobre a capacidade de atuação em rede da extrema-direita globalizada. •

Publicado na edição n° 1380 de CartaCapital, em 24 de setembro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Financiadores do fascismo’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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