Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

Finalmente chegou o dia da vacina

Máscaras aos milhões foram jogadas no lixo, no chão, dos janelões. Máscaras brancas, pretas, xadrez, do Fla, do Flu, do Hello Kit

Aplicação de vacina. Fotos: Jefferson Peixoto/Secom
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Caiu numa segunda-feira, dia 29 de fevereiro de dois mil e vinte e pouco, bem no aniversário de noventa anos do Sergio de Magalhães Gomes Jaguaribe, o Jaguar. Minha aldeia acordou aliviada. Os mais velhos abriram as janelas, respiraram fundo deixando o vento tropical entrar com tudo. 

Máscaras aos milhões foram jogadas no lixo, no chão, dos janelões. Máscaras brancas, pretas, xadrez, do Fla, do Flu, do Hello Kit.  Soldados do Exército foram recolhendo uma a uma e jogando em caminhões verdes-olivas que saiam em comboio para os aterros sanitários. 

Uma 1664 estupidamente gelada foi aberta no Café Saint Sévérin, no número 3 da Place Saint Michel, ao mesmo tempo que uma Devassa trasbordava espuma na esquina de Prudente com Vinícius de Moraes. 

O frescobol voltou, a galera ao Itaquera voltou, o grito de gol voltou. Não se ouviu mais na televisão os novos números de infectados, os novos números de mortos, se a curva subiu ou desceu. Não se falou mais em assintomáticos, em comorbidades, em covas coletivas, em respiradores, em óbitos. 

Abriram os teatros cheirando a mofo, os cinemas cheirando pipoca, as academias enferrujadas e as barbearias com ninhos de rato. Acenderam-se velas nas igrejas e catedrais, o sol iluminou os vitrais e promessas foram pagas. 

Os motoristas buzinaram, os ciclistas desviaram das poças, os pedestres chutaram latas. O galo cantou, o grilo grilou, cachorro latiu, o gato miou, o passarinho cantou, a cigarra zuniu, papagaio falou e a girafa? A girafa não fala.

Eles perderam a ceia de Natal, o panetone, aquele quentão de São João, perderam a Páscoa, coelhinhos e chocolates. Perderam o dia das mães, o dia dos pais, o dia dos mortos, o Grand Prix, perderam a São Silvestre perderam a parada LGBT+, perderam a graça.

Os velhinhos recitaram Drummond: E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José? E agora, você? Você que é sem nome, que zomba dos outros, você que faz versos, que ama, protesta? E agora, José?

E cantaram na chuva: Apesar de você, amanhã há de ser outro dia. Eu pergunto a você onde vai se esconder da enorme euforia. Como vai proibir quando o galo insistir em cantar. Água nova brotando e a gente se amando sem parar. 

Os parques floriram, os sabiás cruzaram, os esquilos se multiplicaram, os chorões brotaram, a grama cresceu, os patos chocaram. 

As pessoas se beijaram nas ruas como se fosse esta noite a última vez. Dentro dos meus braços, os abraços foram milhões de abraços. Apertado assim, colado assim, calado assim, abraços e beijinhos, e carinhos sem ter fim.

Tudo isso, depois da picada.

[Obras citadas: O som dos bicos (Geraldo Amaral e Renato Richa), José (Carlos Drummond de Andrade), Besame Mucho (Consuelo Velásquez) e Chega de Saudade (Tom e Vinícius)]

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