

Opinião
Festivais independentes e o desafio de sustentar a diversidade musical no Brasil
A ‘nova indústria da música’, longe de democratizar, reproduz práticas do antigo modelo: centralização, algoritmos manipulados e pressão comercial


Os festivais de música independente são pilares fundamentais da diversidade cultural brasileira, revelando artistas, promovendo intercâmbio e movimentando economias locais em todo o país. Mas, apesar do impacto social e simbólico, sobrevivem à base de resistência, enfrentando obstáculos estruturais que ameaçam sua continuidade.
Entre os principais entraves estão a precariedade da infraestrutura pública, os altos custos logísticos, a concentração de mercado, a inflação de cachês, a ausência de políticas públicas consistentes e a crescente mercantilização da cultura musical. É um conjunto de fatores que exige políticas permanentes, descentralizadas e ajustadas à realidade brasileira.
Os custos técnicos de realização – palco, som, iluminação, segurança – são altos, especialmente em regiões afastadas, onde a estrutura precisa ser trazida de grandes centros. Isso inviabiliza economicamente eventos em muitos lugares.
Com o crescimento dos “festivais de marca”, artistas independentes passaram a cobrar cachês semelhantes aos do mainstream, limitando a programação dos festivais menores e enfraquecendo a diversidade. A ascensão dos “festivais de agências” também encarece contratações e elitiza o circuito.
O setor cultural é subfinanciado e carece de políticas permanentes para festivais e casas de shows. Os editais públicos, quando existem, são pontuais, mal distribuídos regionalmente e com prazos curtos. Falta o entendimento do papel desses espaços na economia criativa.
A concentração do mercado cultural em grandes empresas gera competição desigual, com monopólio de patrocínios e visibilidade. Essa “nova indústria da música”, longe de democratizar, reproduz práticas do antigo modelo: centralização, algoritmos manipulados e pressão comercial.
É urgente a construção de uma política nacional para a “Música Plural Brasileira”, com ações coordenadas entre Estado e sociedade civil. O fomento contínuo e descentralizado é essencial. Um fundo exclusivo para a música, com investimentos anuais e multianuais, pode garantir sustentabilidade e planejamento de médio e longo prazo, valorizando diversidade, regionalização e impacto social.
Sugere-se também a criação de polos regionais de produção cultural com equipamentos, reduzindo custos e fortalecendo a cadeia produtiva. Microcrédito e capacitação para produtores, técnicos e montadores, com apoio de universidades, SESC, Sebrae e outros, são fundamentais.
Redes e cooperações como a ABRAFIN, que hoje reúne mais de 180 festivais, devem ser fortalecidas. Circuitos regionais integrados e estruturas compartilhadas podem fomentar circulação artística e economia colaborativa. A Rede Música Brasil deve ser entendida como fórum permanente da cadeia produtiva.
A formação profissional em áreas como curadoria, produção, marketing, legislação e negócios culturais é outro ponto crítico. É preciso ampliar o acesso a esses conhecimentos, especialmente para jovens periféricos e produtores fora dos grandes centros.
A desburocratização é urgente: legislações simplificadas para casas de show, estúdios e festivais de pequeno e médio porte, com orientações claras sobre licenças, tributos e segurança. Governos e parlamentares devem estudar os modelos culturais para apoiar efetivamente o setor.
A comunicação pública também precisa evoluir. Falta visibilidade para a “Música Plural Brasileira”. Uma plataforma pública de streaming ou canal digital regional, com curadoria democrática, poderia divulgar artistas invisibilizados pela grande mídia.
Mais do que entretenimento, festivais e casas de shows são núcleos de articulação cultural, econômica e social. Para seu fortalecimento, o Estado deve reconhecer sua importância e investir em políticas estruturantes e descentralizadas.
O futuro da música brasileira passa pelo fortalecimento de micro-ecossistemas culturais em todo o país. Com gestão em rede, investimento público contínuo e valorização das cenas locais, os festivais podem se tornar vetores centrais do desenvolvimento cultural e econômico brasileiro.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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