Josué Medeiros

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Cientista político e professor da UFRJ e do PPGCS da UFRRJ. Coordena o Observatório Político e Eleitoral (OPEL) e o Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (NUDEB)

Opinião

Faltando pouco para a eleição, a polarização se impõe

Como estamos apontando ao longo dos últimos dois anos, São Paulo será palco de uma disputa que é o 3º turno de 2022 e o turno zero de 2026

Faltando pouco para a eleição, a polarização se impõe
Faltando pouco para a eleição, a polarização se impõe
O candidato do PSOL à prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos. Foto: Leandro Paiva/@leandropaivac
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Faltando poucos dias para as eleições municipais, a polarização política e social volta a se impor nas capitais brasileiras. As pesquisas começam a mostrar um crescimento da extrema-direita em diversas cidades, independentemente das particularidades locais.

Antes de analisar os números, é preciso recuperar do que se trata quando estamos falando de polarização. Desde 2018, a política brasileira gira em torno de uma disputa de projetos de sociedade que vai além da mera disputa eleitoral: Bolsonaro, eleito presidente naquele ano, é a principal liderança de um projeto que visa pôr fim à Constituição de 1988 e seu sentido estratégico de combate às desigualdades e promoção dos direitos. No lugar, a extrema-direita bolsonarista defende um arranjo autoritário com cidadania exclusiva para os supostos cidadãos de bem, de acordo com uma visão conservadora de nação e família.

Ao longo do governo Bolsonaro, a sociedade civil brasileira se organizou contra essa ameaça autoritária, através de manifestações de cidadania e solidariedade – tais como as cozinhas solidárias, a mobilização pelas vacinas, pelo auxílio emergencial e pelo despejo zero de ocupações dos movimentos de luta por moradia. Em paralelo, as instituições se articularam para defender políticas públicas e processos legais: as decisões do STF em favor das medidas de proteção sanitária e social durante a pandemia são um exemplo. Todo esse processo culminou em uma frente ampla democrática liderada pelo presidente Lula, no 2º turno das eleições de 2022, derrotando Bolsonaro.

A extrema-direita perdeu nas urnas, mas segue persistindo na força social. O 8 de Janeiro colocou o bolsonarismo na defensiva, mas as eleições de 2024 demonstram que esse campo segue capaz de polarizar a sociedade brasileira com seu projeto autoritário. Entretanto, grande parte da mídia empresarial e de setores das elites econômicas e políticas tentou vender a ideia de que o pleito municipal seria marcado por questões locais e pelo pragmatismo, e que não fazia sentido se preocupar com a polarização, que isso só interessaria aos “extremos”.

Essa construção se apoiava nas pesquisas na maioria das cidades, com liderança majoritária dos partidos da direita tradicional, o que comprovaria a ausência da polarização. Todavia, as pesquisas também mostravam que grande parte do eleitorado estava disposto a mudar de voto, ainda refletindo sobre o que fazer. Na pesquisa do Observatório Político e Eleitoral (OPEL), argumentamos que a tendência de boa parte das pessoas seria procurar os polos que vêm organizando a política brasileira até o final das eleições.
E é esse movimento que começa a aparecer nas pesquisas.

No Rio de Janeiro, o que parecia uma tranquila vitória de Eduardo Paes, do PSD, agora virou um risco real de 2º turno com o crescimento de Alexandre Ramagem, do PL, candidato de Bolsonaro. Outras candidaturas da extrema-direita vêm crescendo em cidades como Goiânia, Belo Horizonte, Fortaleza. Ao mesmo tempo, como reação a isso, candidaturas de esquerda também vão se consolidando em cidades como Florianópolis e Natal, podendo forçar 2os turnos onde não se esperava no começo do processo eleitoral.

O fato é que boa parte das capitais ou vai resolver a eleição em um 1º turno polarizado, com uma candidatura apoiada por Lula ou Bolsonaro liderando, sendo seguida por uma do campo oposto (são os casos de Salvador, Recife, São Luiz, Teresina, Vitória), ou vai enfrentar um 2º turno com alguma candidatura bolsonarista e outra representante do campo democrático, com o apoio do presidente Lula, em alguns casos liderado por um partido de esquerda (Porto Alegre, Fortaleza, Goiânia, talvez Florianópolis e Natal) e em outros por agremiações da direita tradicional (Belo Horizonte, Belém, talvez Rio de Janeiro e Curitiba).

E há, por fim, mas não menos importante, o caso emblemático de São Paulo. A aposta da quebra da polarização unificou-se em torno da candidatura do atual prefeito, Ricardo Nunes, do MDB. Em torno dele foi montada uma grande coalizão, incluindo Bolsonaro, que, a contragosto, aceitaria apoiar uma candidatura moderada. O objetivo dessa estratégia era isolar o presidente Lula e seu candidato, Guilherme Boulos, do PSOL, e projetar o governador Tarcísio como uma nova liderança da direita democrática para, em 2026, produzir um cenário eleitoral diferente de 2018 e 2022. Nesse plano, o ex-presidente Bolsonaro seria escanteado, a fim de evitar que sua enorme rejeição no eleitorado paulistano atrapalhasse a reeleição de Nunes.

Contudo, faltou combinar com o eleitor polarizado da direita, que ficou procurando um candidato que verdadeiramente representasse seus anseios, assim como foi Bolsonaro em 2018 e 2022. Tarcísio conseguiu retirar os potenciais nomes que tentavam dialogar com esse sentimento, tais como Ricardo Salles e Kim Kataguiri. Mas não conseguiu excluir do jogo o coach Pablo Marçal, que surgiu como um furacão e atropelou todo o planejamento da direção bolsonarista.

A ascensão de Marçal foi combatida com ajustes na estratégia, ou seja, com um processo de bolsonarização da figura de Nunes. Primeiro, com a indicação de um vice radicalmente conservador. Depois, com a adoção das pautas morais da extrema-direita pelo atual prefeito. Finalmente, Nunes mudou de posição em temas como vacina e pandemia. Tudo em vão. Marçal seguiu consistente na casa dos 20% durante todo o processo e agora, na reta final, impulsiona uma onda que pode levá-lo ao 2º turno, no mesmo movimento que ocorre em boa parte das demais capitais brasileiras.

Como estamos apontando ao longo dos últimos dois anos, São Paulo será, portanto, palco de uma disputa que é o 3º turno de 2022 e o turno zero de 2026, com um enfrentamento de duas novas lideranças: Boulos pela esquerda, liderando a frente democrática, e Marçal renovando o impulso antissistema da extrema-direita brasileira. E se o atual prefeito Nunes conseguir o improvável, segurar a onda Marçal e ir para o 2º turno, tal feito se deve justamente a sua bolsonarização, ou seja, a assunção de um lado da polarização, e não a qualquer estratégia de fingir que não tem lado na política brasileira.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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