

Opinião
Fadiga geral
Um estudo da FIFPRO conclui que o calendário atual do futebol não funciona como um ciclo, mas “como uma esteira que nunca para”


Não querendo ser chato – mas sendo –, a batida questão do calendário do futebol chegou a um ponto decisivo. Nesta semana, algumas manifestações simultâneas revelam que chegou a hora de tomar medidas concretas. Oportunamente, o novo presidente da CBF veio a público detalhar as mudanças que havia anunciado em sua posse para intervir na elaboração do calendário do futebol brasileiro.
Samir Xaud, dentro do prazo que ele mesmo estabeleceu, mostrou uma determinação louvável. Suas propostas para adequar o calendário incluem:
– Redução das datas dos campeonatos estaduais para apenas 11.
– Copa do Brasil, Copa do Nordeste e Copa Verde todas com final única.
– Rejeição da introdução da chamada Série E (ganância da cartolagem, diga-se de passagem).
A pressão do tempo só aumenta. No próximo ano, teremos a Copa do Mundo e, no ano seguinte, a Copa do Mundo Feminina será aqui no Brasil. Aí é que o tempo encurta de vez.
Não sei se em sintonia ou se houve um entendimento prévio, mas a Fifa, jogadores individualmente e a FIFPRO (o sindicato europeu dos jogadores profissionais de futebol) também tomaram posições. A organização publicou um estudo minucioso, com dados expressivos, que trouxe para os números a situação alarmante espalhada mundo afora.
Três pontos são cruciais e foram especificados no estudo: férias inadequadas, viagens longas sem intervalos e a alta carga de trabalho para os jovens iniciantes. Cada vez mais, os jogadores estão se declarando publicamente sobre o assunto.
O brasileiro Gabriel Martinelli, do Arsenal e da Seleção Brasileira, foi um dos que se pronunciaram, além de Valverde (Real Madrid), Bastoni (Inter de Milão) e Fabián Ruiz (PSG).
O goleiro Alisson Becker, do Liverpool e da Seleção Brasileira, expressou-se assim: “Ninguém pergunta aos jogadores, talvez nossa opinião não importe, mas todos sabem o que pensamos sobre jogar mais. Estamos cansados disso”.
Alisson cita, por exemplo, o caso de um time que, em viagens, rodou o equivalente a mais de quatro voltas à Terra. Outro exemplo citado é o do campeonato chileno, com times jogando com um intervalo de apenas 24 horas.
Há algum tempo, citamos neste espaço manifestações de jogadores do Real Madrid e do seu treinador na época, Carlo Ancelotti. Ele dizia: “Vou dar férias intertemporadas aos meus jogadores”.
A situação é especialmente crítica para quem, além do clube, serve às seleções de seus países. O estudo da FIFPRO recomenda, numa série de observações, que se estabeleça um limite de carga para os jogadores com menos de 18 anos.
Sobre as férias, o sindicato cita a recomendação médica de, no mínimo, 28 dias de férias e 28 dias de pré-temporada. A conclusão da pesquisa é que o calendário atual não funciona como um ciclo, mas “como uma esteira que nunca para”. Também se conclui que a única forma de mudar esse ritmo é com os jogadores se organizando entre si, para se defender com algum sucesso.
A novidade maior e melhor desta semana foi o anúncio, pelo presidente Lula, do projeto “Brasil em Jogo”. Trata-se de um programa de incentivo ao esporte em comunidades populares muito semelhante (talvez igual) ao que apresentei ao Pelé quando ele foi secretário de Esportes com status de ministro.
Eu o chamava de Centro de Iniciação Olímpica. O projeto consistia na construção de dependências para todas as atividades esportivas, proporcionando desenvolvimento salutar às crianças. A intenção é que aqueles que demonstrarem aptidão especial possam até se profissionalizar de maneira harmônica no esporte mais indicado às suas condições naturais.
A inspiração do projeto veio da minha infância em Marília, no interior de São Paulo, então chamada “Cidade Menina” pelo pouco tempo de sua fundação. Em Marília pude viver a proposta moderna do Parque Infantil, que se constituía de um espaço amplo na cidade.
Tinha uma portaria onde as crianças eram recebidas pelo senhor Porfírio e faziam o circuito: uma quadra polivalente, uma piscina, um campo de futebol, um playground e uma área construída com refeitório e salão de recreação e jogos infantis.
O sistema era de rodízio: enquanto uma turma, por faixa etária, estava em um dos elementos, outras ocupavam os demais espaços, orientadas por um professor. Os que estavam na escola de manhã frequentavam o parque à tarde e os estudantes da tarde iam de manhã. Foi uma vivência inesquecível. •
Publicado na edição n° 1382 de CartaCapital, em 08 de outubro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Fadiga geral’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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