Marcos Coimbra

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Sociólogo, é presidente do Instituto Vox Populi e também colunista do Correio Braziliense.

Opinião

A facada não foi decisiva em 2018. Por que, então, Bolsonaro segue recorrendo a ela?

Com imagem cambaleante e à frente de um governo ridículo, ele atira para todos os lados, para ver se acerta em um alvo qualquer que melhore suas chances

O então candidato Jair Bolsonaro após a facada, em 2018. Foto: AFP
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Tem muita gente boa com mais medo de Bolsonaro do que deveria. Ele é feio, mas não há motivo para tanto susto. O medo exagerado vem, principalmente, de 2018, de avaliações incorretas daquela eleição, não do que aconteceu depois que chegou ao governo. Desde então, fora alguns latidos, há mais motivos para ignorá-lo do que para se preocupar.

A manifestação mais recente dessa síndrome é a história da “facada”. O noticiário deste início de ano esteve recheado do assunto, fazendo com que alguns supusessem que teriam de lidar, outra vez, com a velha assombração. Foi como se as fotos no hospital, a conversa a respeito da saúde das vísceras e a rememoração do acontecido em Juiz de Fora mostrassem que havia estreado a segunda temporada da pantomima do “atentado”.

Quem acredita que o episódio foi decisivo para a vitória do capitão deve se preocupar, pois tudo indica que voltará a ser explorado. Ou se animar: hoje, com imagem cambaleante e à frente de um governo ridículo, ele atira para todos os lados, para ver se acerta em um alvo qualquer que melhore suas chances. Se a “facada” o ajudou, por que não lançar o Capítulo 2?

A questão é que não há nada que demonstre que essa tese é verdadeira, por mais divulgação que tenha tido. As evidências sugerem o inverso: ela parece ter sido irrelevante na eleição, se considerarmos suas consequências diretas.

É impossível saber o efeito que possa ter tido nos sentimentos do eleitorado, mas podemos olhar aquilo que mostram as pesquisas de intenção de voto realizadas antes e depois. Se fosse efetivamente decisiva, esperaríamos uma inflexão de tendências, ao comparar, por exemplo, as duas semanas antes com as duas a seguir ao dia 6 de setembro, dando tempo para que a informação se distribuísse na opinião pública.

No período entre 20 de agosto e 20 de setembro de 2018, foram publicadas 24 pesquisas de âmbito nacional com dados de intenção de voto. Sem privilegiar nenhuma (pois não há como estabelecer se uma é “melhor”) e raciocinando com a média dos resultados de todas, temos que o capitão foi de 22% para 28% nesses 30 dias. Cresceu, portanto, 6 pontos porcentuais na média das pesquisas.

Não é muito. No mesmo intervalo de tempo, Fernando Haddad foi de 4% para 18%, algo que pode ser classificado como um salto provocado pela confirmação de sua candidatura no dia 11 de setembro (depois das violências jurídicas que tiraram Lula da eleição). Em relação a esse desempenho, a melhora do outro foi insignificante.

Mas os dados a respeito das intenções de voto no capitão mostram também outra coisa, se compararmos os 20 dias anteriores com os dez após a “facada”: entre 20 de agosto e 10 de setembro, Bolsonaro passou de 22% para 25%, e daí cresceu para 28% nos dez dias seguintes. Estava em um processo de lenta ascensão nas intenções de voto antes e assim permaneceu depois. Não mudou.

Não há evidências, se levarmos em conta a média das pesquisas publicadas, de que a “facada” tenha sido a causa de crescimento do capitão. Ao menos diretamente, pois com certeza serviu para que fugisse do debate cara a cara com os demais candidatos, em especial com Fernando Haddad no segundo turno. Consciente de sua incapacidade intelectual, ele se escondeu atrás de laudos médicos para escapar do vexame.

A tese de que o episódio o “humanizou” e o “aproximou” dos eleitores é apenas uma das pseudoexplicações que as nossas elites puseram a circular depois da eleição. Todas para dizer que foi o povo, “compreensivelmente enfurecido com o PT” e “naturalmente comovido com o sofrimento de Bolsonaro”, que lhe deu a vitória. Tudo para esconder o óbvio: o cidadão ganhou porque milicos autoritários, picaretas do Judiciário e do Congresso, barões da mídia, ricaços oportunistas e bispos milionários interferiram na eleição com golpes e manobras, a começar pela prisão e amordaçamento de Lula. O que está por trás de Bolsonaro e do bolsonarismo é a ganância e o golpismo dessa gente. Foi ela que cometeu o atentado verdadeiro que houve em 2018.

O que é bom, apesar de tudo. Sugere que armações baratas não convencem a maioria da população e que o eleitor comum não se comove com o exibicionismo e as palhaçadas do capitão. Na democracia, não precisamos temer que sentimentalismos de terceira qualidade mudem opiniões em escala relevante.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1191 DE CARTACAPITAL, EM 13 DE JANEIRO DE 2022.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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