Marcos Coimbra

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Sociólogo, é presidente do Instituto Vox Populi e também colunista do Correio Braziliense.

Opinião

Expressão da estupidez de Bolsonaro é a cara da pandemia no Brasil

Bolsonaro não escapa, quando fizermos o balanço do que aconteceu entre nós

Bolsonaro é "homenageado" no Carnaval da Alemanha - Créditos: Ina FASSBENDER / AFP
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Nada tem de surpreendente o resultado mais surpreendente da pesquisa telefônica do Datafolha divulgada no domingo 5. O porcentual de 59% de entrevistados contrários à renúncia de Jair Bolsonaro pelo modo como conduz a crise do coronavírus quer dizer pouco.

Antes de prosseguir, uma observação metodológica. Hoje é impossível fazer entrevistas presenciais e é justificada a opção do Datafolha de realizá-las por telefone (além de ser melhor que aplicá-las na internet). De onde não se deduz, no entanto, que, mesmo agora, toda questão de opinião pública possa ser pesquisada dessa maneira.

Intenções de voto e outros temas políticos, por exemplo, a respeito dos quais há abundante evidência de que mantêm estreita correlação com a renda dos indivíduos (que, por sua vez, condiciona o acesso e o uso da telefonia, incluindo a celular), não estão entre estas.

O Datafolha tem consciência dessa limitação, tanto que acrescentou uma “nota técnica” alertando para a baixa cobertura da pesquisa: “(O método telefônico) torna mais difícil o contato (…) especialmente com os estratos de baixa classificação econômica”.

Tucanês à parte, isso quer dizer que a pesquisa capta mal a opinião dos mais pobres. Daí a reportagem induzir ao erro: a pesquisa não permite afirmar que “os brasileiros são majoritariamente contrários a um pedido de renúncia”, pelo simples fato de que “os estratos de baixa classificação econômica” não foram adequadamente ouvidos.

Mesmo se aceitarmos a conclusão, há duas considerações a fazer. A primeira é de que, conforme as pesquisas internacionais mostram, nada há de notável no resultado brasileiro. Ao contrário, os números do Datafolha para o ex-capitão tendem a estar abaixo do padrão de outros países. A segunda tem a ver com o momento e o modo como as perguntas foram levadas aos entrevistados.

A esta altura da pandemia, respeitadas as diferenças entre os países, as pesquisas sugerem que prevalece a insegurança da sociedade, o que leva os cidadãos a preferir o concreto e o conhecido ao abstrato e desconhecido. Trump, Bolsonaro, qualquer um, por mais despropositadas que sejam suas ações e mais ridículas as suas posições, são melhores do que ninguém ou alguém que “não está no leme”, mesmo se não souberam conduzi-lo.

Quando se analisam os lugares para os quais dispomos de dados, o que vemos é que o status quo sempre está bem. Não faz diferença se um governo age com competência, se um governante se mostra capaz de responder aos desafios atuais. Esquerda ou direita, tontos ou equilibrados, mentirosos ou verdadeiros, aptos ou inaptos, todos estão sendo aprovados.

Em muitos casos, ao que parece, apenas porque são o que há. Como explicar, a não ser pelo receio da população de mexer nas coisas, a performance de opinião pública de Trump? Por que razão seus números subiram, apesar dos grosseiros equívocos de condução, unanimemente apontados por quem entende do assunto?

Por que o primeiro-ministro do Canadá, que agiu desde o início de maneira exemplar, está com a mesma popularidade do americano? Por que Boris Johnson, que não soube escolher o caminho a adotar, tornou-se o mais bem avaliado chefe de governo do Reino Unido nos últimos dez anos?

Os tais 59% de brasileiros do Datafolha que não querem a renúncia de Bolsonaro não são tão diferentes da maioria dos cidadãos do resto do mundo. Não há qualquer mérito na performance do capitão e assemelhados, nenhuma avaliação de que vão bem. O que estamos ouvindo, dos Estados Unidos à Europa e à Rússia, é um pedido de providências imediatas, mesmo que ruins.

O que se poderia esperar dos entrevistados à direita e de baixa politização ao ser confrontados com a pergunta: “Bolsonaro deve renunciar”? Trocá-lo por quem? Quando? Agora, imediatamente, em plena epidemia? Não surpreende que digam “não”.

A hora dele e de gente dessa geração de lastimáveis lideranças internacionais vai chegar. Na velocidade em que a pandemia se espalha, não demora. Seus efeitos sociais e econômicos são gravíssimos, tanto maiores quanto piores as lideranças nacionais.

Bolsonaro não escapa, quando fizermos o balanço do que aconteceu entre nós. De tanta estupidez, a cara da epidemia no Brasil passou a ser a dele. Agora, então, que bate no peito e diz “Quem manda sou eu!”, mais ainda. Fez a sua aposta. Se, na hipótese menos provável, der certo, ganha ele. Se não, perde ele e perdemos todos (o que, para ele, é irrelevante).

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