Opinião

Existem coisas melhores na vida do que encontros?

Quanta brutalidade, senhores “democratas” do Ocidente! Quanto aprendizado e riqueza deixam de acumular ao se relacionarem conosco dessa forma vertical

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Onde tem onça, macaco não faz barulho.”
Provérbio popular, coletado por Luiz Antonio Simas.

Por incrível que pareça, em pleno século XXI, o racismo estrutural ainda dita regras no Brasil.

A recente perseguição e censura ao livro “O avesso da pele”, de Jeferson Tenório, é um exemplo chocante.

Para variar, ela se inicia é mais devastadora na região sul do país, inclusive em Curitiba, capital em que os exemplares foram recolhidos das escolas.

Trata-se de manipulação grotesca de um conteúdo artístico, que deveria conduzir à prisão os responsáveis por esse absurdo cerceamento, sendo o racismo crime inafiançável.

Por que não se recorreu a processo legal por crime de racismo praticado por essas escolas contra o autor? Por que os perpetradores do crime são brancos, é a única resposta possível.

Os que achavam que o racismo se extinguiria com o fim da Segunda Guerra e o advento da libertação africana se enganaram, redondamente. Ele está mais vivo do que nunca, no Brasil e no mundo.

Um exemplo internacional: o chefe da banda de extrema-direita em Portugal (perdedor das eleições de domingo último) havia ameaçado o presidente Lula de prisão, caso ele decidisse viajar a Portugal para as comemorações da Revolução dos Cravos.

No entanto, o racismo não atinge “apenas” latinos, africanos e asiáticos.

Ele também se dá contra eslavos.

O caso mais conspícuo ocorreu recentemente em Moscou, em alto nível: os embaixadores da União Europeia não compareceram à reunião com o chanceler Sergey Lavrov, que os convocara para mostrar evidências da interferência deles nas próximas eleições russas.

Meus parcos conhecimentos de diplomacia não registram desfeita e desrespeito dessa monta, com o governo junto ao qual estão acreditados. Mas os autoritários, segundo eles, são os russos…

Parece que nada aprenderam de aonde seus preconceitos os conduziram, mediante o terror por eles gerado nas Guerras Napoleônicas e na Segunda Guerra Mundial. Os milhões de mortos por seu racismo nada parece lhes dizer. Quanta brutalidade, senhores “democratas” do Ocidente!

Em contrapartida, quanto aprendizado e riqueza deixam de acumular ao se relacionarem conosco dessa forma vertical. Pensam que riqueza são bens materiais, poder e domínio. Quanto engano!

Não há riqueza maior do que interagir de forma horizontal, sem interesses materiais, exercício de poder ou domínio. Aliás, ao lado do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) deveríamos ter um Índice de Interação Humana (IIH). Poderíamos, dessa forma, medir a capacidade das sociedades e dos indivíduos interagirem.

Quantas diplomacias têm esses parâmetros? E nós, indivíduos? Quanto buscamos interagir?

Ou atravessamos a rua quando vemos alguém caído na nossa calçada? Conseguimos nos despojar do preconceito contra pobres, negros, gays? A medida de nossa infelicidade é a mesma de nosso isolamento. A de nossa pobreza, a de nossos preconceitos. A de nossos medos, a de nossa dificuldade em nos abrirmos, temendo o risco da rejeição, que faz parte, porém, da liberdade do outro.

Tempo não é dinheiro! Tempo é o que Deus nos dá para interagirmos! Para irmos ao encontro do próximo! Não troquemos uma coisa maior por uma menor!

Existem coisas melhores na vida do que encontros?

O próprio Papa Francisco não citou Vinicius de Moraes em uma encíclica, com a definição magistral do Poetinha de que “a vida é a arte do encontro”? Olhando para trás, vemos as oportunidades magníficas que perdemos, por não termos devotado o devido tempo a essa arte.

Estou seguro de que a Itália é uma potência turística por seus bens culturais inigualáveis, mas, principalmente, por sua cultura de interação, a qual, infelizmente, o capitalismo vai desgastando e perdendo.

A própria Cidade Maravilhosa não o é, em grande parte, pela aptidão única dos cariocas e das cariocas em interagirem com os visitantes, não se contentando em indicarem um logradouro, mas conduzirem a pessoa até lá?

Aliás, sobre interação e interculturalidade, recomendo o magnífico filme Vidas Passadas.

A diretora da película, Celine Song, nos leva às lágrimas, sem que nos apercebamos.

O amor é tratado de forma não-preconceituosa, tornando-se, por isso, uma experiência universal e intimamente pessoal.

Um “ying-yang” espacial, englobando o cultural, coletivo, e o individual, particular.

Que felicidade sentir que as portas de nossos paraísos perdidos estão na alteridade!

Que as chaves da felicidade são compartidas, embora os momentos sejam muitas vezes fugazes.

Se temos tanta geofilia (amizade, simpatia por certos lugares) por que não abrimos praças um nosso dia a dia para nos sentarmos em um banco e só curtir o estar vivo?

O viver, “talvez sonhar” parafraseando Shakespeare, em Hamlet, pensando junto com o outro um mundo melhor, menos possessivo, fechado, mas, ao contrário, com horizontes largos, em todos os sentidos.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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