Diversidade

Quer um resumão, cisgeneridade? Travesti é ela e ponto

Não inventamos termos ou nomes para explicar nossa existência, apenas ressignificamos ofensas e xingamentos que foram utilizados para nos diminuir

Linn da Quebrada. Foto: Wallace Domingues/Divulgação
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Linn da Quebrada entrou no BBB, programa que todo inicio de ano mobiliza a populaçãoe que costuma orientar os temas centrais que circulam em redes sociais, mesas de bar e pontos de ônibus.

Não é a primeira vez que uma pessoa trans participa do programa, mas é a primeira vez que uma participante trans reivindica a identidade travesti. E, como era de se esperar, essa entrada causou muito debate, exatamente pelo fato de a sociedade não admitir existências que fujam da norma binária de gênero imposta pelo patriarcado.

A cisgeneridade costuma imputar a nós, pessoas trans, o papel de educá-los sobre a transgeneridade, mas esquece que foi ela que nos denominou como tal. Não inventamos termos ou nomes para explicar nossa existência, apenas ressignificamos ofensas e xingamentos que foram utilizados para nos diminuir, motivados pela ameaça que somos ao sistema de poder que precisa de homens e mulheres e das categorias de opressão entre eles e suas intersecções.

Sabemos que o guarda-chuva transgênero abarca diversas existências que não performam a binariedade de gênero determinada pela genitália, mas hoje quero falar sobre travesti, identidade que também reivindico.

Em pesquisa rápida nos dicionários e no Google, encontramos alguns conceitos cisnormativos sobre travesti:

1. substantivo masculino e feminino. Em espetáculos ou shows, o artista que se veste com roupas características do sexo oposto. Geralmente, refere-se aos homossexuais cujas vestes e/ou comportamentos denotam particularidades ou ações características do sexo oposto;

2. Pessoa que se veste com roupas do sexo oposto, geralmente, em espetáculos teatrais ou para ter satisfação psicológica;

3. Homossexual que se veste de mulher; traveca, travecão, traveco;

4. Disfarce sob o traje de outro sexo;

5. Disfarce de pessoa sob outro sexo.

Somos, para a cisnormatividade, uma farsa ou uma performance. Por isso, Lina, a pessoa por trás da personagem Linn da Quebrada, se apresentou no programa como o “fracasso do que as pessoas esperam de nós”, porque não queremos e não vamos performar o que esperam que sejamos: uma existência momentânea que performa uma outra existência que nunca será a nossa. Quando usaram o termo para nos ofender nas esquinas onde lutamos para sobreviver, nossa ancestralidade ou, como Renata de Carvalho, atriz e travesti costuma afirmar, nossa transcentralidade ousou assumir este termo e dizer, com orgulho: sou travesti!

Aliás, ousadia é nosso sobrenome, porque o prenome não é o que nos impuseram, é o que escolhemos. Ousamos assumir a identidade de gênero feminina e, mesmo assim, nem sempre nos reconhecermos como mulher, mas pertencemos tanto ao gênero feminino quanto qualquer outra. Ousamos reivindicar um lugar ao lado da mulher entre as mulheridades possíveis e por isso, como me ensinou Keila Simpson, presidenta da Antra e minha eterna liderança: “Não somos homem, nem mulher!”. A frase também foi usada por Linn em suas músicas e no BBB.

Sei que isso soa confuso para quem aprendeu que só existem homem ou mulher, mas peço a você, pessoa cis, que dispa-se das normas patriarcais e entenda como é opressor forçar nossos sentimentos profundos sobre nossa existência a seguir as regras do ‘ser homem ou mulher apenas’, e que isso seja determinado por uma parte do nosso corpo. Esse é o primeiro passo para desconstruir a cisnormatividade e entender o que se ouve – e, assim, quando uma travesti disser que é ELA, talvez não seja tão difícil respeitar sua identidade de gênero. Porque não é sobre ser difícil, é sobre reconhecer e respeitar identidades de gênero diversas. E atente: a travestilidade é só uma porta para muitas identidades que ainda estão por ganhar visibilidade, como a não binariedade e\ou a ageneridade, ou seja, esse ainda é o início de uma longa jornada de desconstrução.

Então, sim, somos TRAVESTIS e isso não é sobre performar, é sobre ser. E não precisamos do aval científico, acadêmico, jurídico ou qualquer outro para conduzir nossa existência, apenas sentir e ser. Mas, sim, precisamos ser respeitadas. Nossa revolução nunca é silenciosa, mas não precisa reativa a tantos ataques, ofensas e até assassinatos simplesmente por sermos quem somos. Mas, se o momento pedir, seremos, porque Luana Muniz já avisou: “travesti não é bagunça!”.

E, sim, estamos para a tabelinha de gênero no mesmo lugar de todas as mulheres, mesmo que o privilégio cisgênero tenha acometido aquelas que se sentem donas do feminismo e que insistem em nos deslegitimar. Seguimos fortes ao lado das manas que entendem que o feminismo é plural e interseccional e um salve gigante a elas, que nos ajudam a perceber que vivenciar o feminino é desconstruir qualquer toxidade masculina que nos atravessou em nossa construção como ser humano.

Não somos performance, porque não deixamos nossa mulheridade na gaveta quando chegamos em casa. Ela não sai com água. Ela é parte de nós e assim segue 24 horas por dia. Por isso, não dá pra confundir e sugerir que somos ele, quando estamos tomadas de uma potência feminina inabalável que, com toda sua força, grita: EU SOU ELA!

Quer um resumão, cisgeneridade? Travesti é ela e ponto. Quanto às outras pessoas trans, pergunte antes e siga respeitando o que lhe for dito. Sobre as referências que aqui coloquei, aproveite a Visibilidade Trans coroada no dia 29 de janeiro e ‘dê um Google’ nesses nomes.

Pesquise, leia, ouça e prestigie essas e outras pessoas trans, pois temos muito a dividir e compartilhar. Não queremos simplesmente existir, mas também co-existir ao lado de todes vocês.

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