Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

Eternas ondas de um mar de mineiro

‘Meu prazer era ver e sentir a água viva do mar de Copa. Daquele mar sem fim, que a gente não via o horizonte’

Eternas ondas de um mar de mineiro
Eternas ondas de um mar de mineiro
Villas: 'O meu prazer era ver e sentir a água viva do mar de Copa'. Foto: iStock Villas: 'O meu prazer era ver e sentir a água viva do mar de Copa'. Foto: iStock
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Sem mar na minha terra, sentia muita falta dele. No fundo, queria saber o que havia, se mergulhasse vinte mil léguas submarinas, os corais, os peixes coloridos, os pequenos monstros que não nadavam, andavam. Aquelas lagostas enormes, camarões pitu, arraias.

Ouvia as canções de Caymmi em discos de 78 rotações que o meu pai colocava na vitrola, enquanto bebia uma Brahma Chopp e preparava a macarronada do domingo. Imaginava que era doce morrer no mar, e o mar quando quebrava na praia, era bonito, sim era bonito. 

Uma vez por ano víamos o mar, mar de Copacabana, nas férias de verão. O meu pai nem bem tinha chegado na Cidade Maravilhosa e já ia contando aquela piada de mineiro, a cada janeiro: “Encher esse mundão de água não foi nada, o difícil foi sargá isso tudo”. 

Menino ainda, devorei O Velho e o Mar no quase escuro de uma lâmpada de 40 velas de um abajur em cima do criado mudo. 

Na era dos festivais, torcia por Elis cantando Edu na finalíssima: eh, tem jangada no mar, eh eh eh… hoje tem arrastão, todo mundo pescar, chega de sombra, João

Numa dessas férias, levei pra minha aldeia uma garrafinha de Grapette cheia de água do mar. Ela ficava em cima da minha escrivaninha, mas com o tempo foi ficando turva, muito esquisita. Fedia, cheirava mal. Joguei no lixo com vasilhame e tudo. 

O meu prazer era ver e sentir a água viva do mar de Copa. Daquele mar sem fim, que a gente não via o horizonte e que meu pai repetia: “Lá longe é a África!”

Amadureci ouvindo Tim Maia: Ah! se o mundo inteiro me pudesse ouvir. Tenho muito pra contar, dizer que aprendi. E na vida a gente tem que entender que um nasce prá sofrer, enquanto o outro ri. Mas quem sofre sempre tem que procurar, pelo menos vir achar, razão para viver. Ver na vida algum motivo pra sonhar, ter um sonho todo azul, azul da cor do mar.

Um dia, no exílio, caiu nas minhas mãos o vinil Aprender a nadar, de Jards Macalé: Só mesmo vendo como é que dói trabalhar em Madureira, viajar na Cantareira e morar em Niterói. Eh Cantareira! Vou aprender a nadar, não quero me afogar.

Outro dia, atravessei o mar a remo e a vela, fiz guerra e em terra, montei a cavalo, e em pelo de sela, cruzei as florestas, montanhas e serras, só pra te ver, Gabriela!

Quanto tempo temos antes de voltarem aquelas ondas que vieram como gotas de silêncio tão furioso, derrubando homens entre outros animais,
devastando a sede desses matagais. 

Numa noite de verão, Madalena foi pro mar e eu fiquei a ver navios. Quem com ela se encontrar, diga lá no alto mar, que é preciso voltar já pra cuidar dos nossos filhos.

Músicas citadas: É doce morrer no mar (Dorival Caymmi), Arrastão (Edu e Vinícius), Azul da cor do mar (Tim Maia), Mambo da Cantareira (Jards Macalé), Gabriela (Chico Maranhão), Eternas ondas (Zé Ramalho) e Madalena (Chico Buarque)

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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