

Opinião
Estamos salvos
Acaba de surgir um novo líder para o futebol brasileiro. Dotado de sensibilidade e nada panfletário, Richarlison é simples e objetivo


Esta Copa do Mundo ainda vai dar muito o que falar. Trata-se, afinal de contas, de um campeonato disputado por seleções de 32 países em um período de ebulição por todo lado.
Nesse contexto, não tem como a toda poderosa Fifa reprimir a avalanche de protestos pelos mais variados motivos: religião, racismo, homofobia e, sobretudo, ódio incubado.
O ridículo ataque perpetrado contra Gilberto Gil mostrou, em alta definição, o perfil dos nazifascistas da elite nacional. Enganam-se os que pensam que só a eles é dado o direito ao produto da riqueza construído por todos. Gil desfila no Catar com a leveza que lhe confere a vida que constrói para nossa felicidade.
Mas, também no Catar, tivemos uma demonstração sensível de fraternidade: o congraçamento entre os jogadores do Irã e dos Estados Unidos. Havia o temor de um enfrentamento decorrente das diferenças políticas e da recente crise humanitária no país muçulmano.
Como é bonito ver a humanidade se encontrando dentro do campo: a miscigenação constatada na prática, as fronteiras se desvanecendo entre imigrantes e refugiados.
No calor da Copa, ainda pelo meio, muita coisa já aconteceu e outras tantas vão surgindo. Este é um período em que parece que o tempo fica suspenso, em especial na fase inicial, com jogos todos os dias, o dia todo, em quatro horários diferentes.
A tradicional fase inicial das “zebras” está, desta vez, se esmerando em surpresa. Alguns grupos ficam tão embolados que a definição dos dois classificados para as oitavas de final acaba ficando para o último encontro. Alguns já pensam que isso é arte dos La’eeb, mascotes com cara de fantasma da Copa catari.
O segundo jogo do Brasil, contra a Suíça, na segunda-feira 28, deixou todo mundo tenso, temendo o que já sucedera com a Argentina. A diferença foi que o adversário europeu não teve a sorte incrível dos árabes, que deixaram nossos vizinhos em estado de choque.
Menos mal que os argentinos venceram o segundo jogo, contra o México, e, melhor ainda, com gol do Messi, que tirou do cangote uma carga pesada.
O jogo contra a Suíça levantou uma série de questionamentos sobre a seleção convocada pelo Tite, a começar pela escolha de Eder Militão, tendo levado o Daniel Alves. O treinador foi ainda obrigado a fazer uma opção para substituir o Neymar, outra vez lesionado em Copa do Mundo.
Tite foi coerente com o que veio fazendo até aquele dia, pois o Daniel Alves não vinha atuando nos últimos jogos. A lateral direita vinha sendo preenchida pelo Militão.
Quanto às dúvidas levantadas sobre Fred, Paquetá, Rodrigo e Richarlison, não acho que procedam.
Quando o conjunto não funciona bem, é bobagem procurar a culpa individualmente, em um ou outro jogador.
O próprio Tite reconheceu que o time se salvou pelo que chamou de “o processo”, isto é, a continuidade do trabalho coletivo que redundou em outro belo e surpreendente gol do Casemiro. O jogador, com sua vasta experiência, é o ponto de equilíbrio da seleção brasileira.
Eu, pessoalmente, já venci minha Copa com a afirmação de Richarlison como novo ídolo do nosso futebol. Seu talento e sua consciência cidadã são admiráveis.
Sempre me questionam a respeito da escassez de jogadores que se expressem com liberdade em todos os temas, notadamente em relação à política.
Respondo que, infelizmente, esse fato é proporcional a qualquer grupo da sociedade brasileira, estruturada em classes rigidamente estratificadas.
Nós, jogadores, sempre nos fizemos representar em cada tempo, na sindicalização e, por exemplo, com minha própria participação na Democracia Corinthiana, do querido Sócrates e seus companheiros. Isso sem falar em atletas de outras modalidades, como a querida Isabel, Jaqueline e Djan Madruga, meus parceiros na campanha pela Constituinte de 1988.
Pois, nesta Copa, acaba de “nascer um novo líder” da melhor qualidade, com grande sensibilidade e nada panfletário. Richarlison é simples e objetivo. Mais uma vez, estamos salvos.
Em meio a tantos acontecimentos simultâneos, atraem a atenção, além do exotismo dos anfitriões, os torcedores de tantas procedências. Me chamam a atenção, além disso, o excelente tratamento dos profissionais entre si; os minutos prolongados de acréscimos; a falta de dribles; e a ausência de treinadores brasileiros em seleções de outros países.
As vitórias da Argentina na segunda e na terceira partidas da fase de grupo colocaram a equipe novamente na condição de uma das favoritas – a despeito do pênalti perdido pelo sensacional “Pulga”. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1237 DE CARTACAPITAL, EM 7 DE DEZEMBRO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Estamos salvos”
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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