Aldo Fornazieri

Cientista político, autor de 'Liderança e Poder'

Opinião

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Estado-Maior, com urgência

O governo adotou um modelo centrífugo, departamentalizado e hiperdescentralizado que tende à ineficiência

Estado-Maior, com urgência
Estado-Maior, com urgência
O presidente Lula. Foto: Mauro Pimentel/AFP
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Para quem olha de fora, a impressão é a de que o governo está surpreendentemente desorganizado. Surpreendente, pois Lula está no seu terceiro mandato e a maioria esmagadora dos ministros tem larga experiência no setor público e em cargos executivos, notadamente em prefeituras e governos de estado. A desorganização aparece em várias frentes.

A mais assustadora é a desorganização política, que revela uma falta de direção e comando na relação com o Congresso, principalmente na Câmara, onde o governo não conseguiu estabilizar uma base e talvez nem consiga. Não há, porém, orientação política interna como um todo, problemas na comunicação, nas questões de segurança/inteligência militar, na disputa política com adversários e/ou inimigos e na relação com setores da sociedade.

Cito alguns casos ilustrativos: a forma política como foi enfrentada a tentativa golpista do 8 de janeiro, a defensiva em relação às CPIs, a crise no GSI, declarações confusas de Lula, de ministros e de dirigentes do PT, a presença de partidos que não apoiam o governo no ministério, o anúncio de medidas e iniciativas sucedido de recuos e a forma como o governo se inseriu no Projeto de Lei das Fake News.

Toda estrutura de poder tende à centralização e todo modelo centralizado requer um Estado-Maior dirigente ou de comando, seja militar, administrativo ou político. Modelos centralizados podem ser democráticos ou antidemocráticos, assim como modelos decentralizados. Mas isso não vem ao caso aqui.

Nos sistemas parlamentaristas, nos quais há uma separação entre chefe de governo e chefe de Estado, o gabinete ministerial, órgão colegiado, a rigor funciona como Estado-Maior. No presidencialismo, como o presidente é ao mesmo tempo chefe de Estado e chefe de governo, é preciso organizar um para que as coisas funcionem. O governo Lula, com 37 ministérios, adotou um modelo centrífugo, departamentalizado e hiperdescentralizado que tende à ineficiência. Por isso, a exigência de um Estado-Maior dirigente torna-se não só necessária, mas urgente. Parece que os governos petistas tendem a uma ausência de comandos centralizados. Este foi um dos aspectos que levou Dilma Rousseff ao desastre político.

A rigor, todos os grandes chefes políticos e militares da antiguidade adotavam estruturas de comando de Estado-Maior. Na era moderna, não por acaso, os primeiros exércitos a adotá-lo foram os da França, no pós-revolução e no período napoleônico, e da Prússia, que conseguiu sair da fragmentação e se tornar um Estado forte e unificado sob o comando de Bismark, na segunda metade do século XIX. Antes disso, Clausewitz teorizara acerca da associação entre guerra e política com a famosa afirmação de que “a guerra é a continuação da política por outros meios”. Posteriormente aceitou-se o inverso: a política é a continuação da guerra por outros meios. Formuladores como Max Weber, Robert Michels, Lenin, Gramsci e Michel Foucault, de forma implícita ou explícita, aceitaram essa tese.

Clausewitz entendia que o Estado-Maior se define pela capacidade de converter as ideias do comando em ordens, em execução, cuidando, inclusive, das minúcias da direção. Assim, sua função consiste em aliviar o general (presidente) de um número grande de questões, para que ele possa se concentrar nos problemas principais. Para usar uma palavra em voga, o Estado-Maior é o facilitador da execução rápida das decisões e dos planos. Max Weber foi pelo mesmo caminho: o Estado-Maior dirigente é necessário para garantir a direção política e a gestão administrativa, com a disponibilização e o uso adequado dos meios de poder.

Num sistema presidencial, o Estado-Maior, constituído pelos principais ministérios, aqueles que têm interfaces com as outras pastas, pode dar ordens e encaminhamentos da autoridade que emana do presidente e acompanhar a execução dos planos. A natureza principal é a de coordenação e, em relação ao presidente, tem sempre caráter consultivo, informativo e auxiliar.

Robert Michels, acertadamente, observava que a existência de um Estado-Maior garantia às estruturas de poder a função de prontidão estratégica, permitindo a antecipação, a iniciativa, a manobrabilidade, as escaramuças, os ataques e contra-ataques, mesmo no exercício da arte política. Se isso existisse, o governo não teria sido surpreendido com os ataques golpistas de 8 de janeiro. Teria também mais eficiência nas prontas respostas necessárias aos ataques bolsonaristas e ao enfrentamento às situações de emergência. Teria um comando político-administrativo centralizado que evitaria o acúmulo de pequenas mas desgastantes crises recorrentes. •

Publicado na edição n° 1258 de CartaCapital, em 10 de maio de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Estado-Maior, com urgência’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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