

Opinião
Espetáculo de covardia
Ao atacar a ministra Marina Silva, os valentões do Senado expuseram a própria fraqueza


A degradação moral da política brasileira não tem limites. Os políticos constituem a infantaria, a tropa de assalto desse processo. Parecem atuar apenas para auferir benefícios próprios. Na terça-feira 27, o Senado foi palco de mais uma agressão contra a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente. Marcos Rogério (PL), Plinio Valério (PSDB) e Omar Aziz (PSD) foram os farsantes daquele espetáculo repugnante de constrangimento e imposição pela força contra uma mulher que, no juízo deles, seria uma presa frágil.
“A covardia é a mãe da crueldade”, observou o pensador francês Michel de Montaigne (1533–1592), considerado o precursor do Iluminismo. De fato, existem algumas tipologias da covardia. A mais comum é aquela que se refere aos indivíduos dominados pelo medo, que fogem dos riscos e perigos, não assumem suas responsabilidades e abdicam da luta. Em seus Ensaios, Montaigne apresenta outra acepção, na qual se enquadram certos parlamentares. Covardes são aqueles que desejam exterminar e aniquilar os oponentes que consideram fracos e merecedores da extinção.
Os covardes dessa segunda tipologia exercem sua valentia para acobertar os seus medos e fraquezas. São como aqueles soldados que ficam na retaguarda para não lutar e, no momento da vitória, entram no campo devastado para exterminar prisioneiros e feridos sem piedade. Fracos, cruéis e desprezíveis, esses covardes só se preocupam em exibir-se em momentos de triunfos maquiados ou alcançados pelo crime. No filme O Gladiador, de Ridley Scott, o imperador Cômodo espelha bem esse tipo de covardia.
Pela definição de Montaigne, covardes são também aqueles que puxaram o gatilho contra a irmã Dorothy Stang, os que mataram Chico Mendes, os que emboscaram Bruno Pereira e Dom Phillips, os que massacraram 19 trabalhadores sem-terra em Eldorado dos Carajás. Quando um senador manifesta publicamente o seu desejo de enforcar Marina Silva, ele não apenas revela sua própria covardia – ajuda a naturalizar a violência contra quem defende a floresta e os povos que dela vivem.
Qual é o progresso que Marina atrapalha? Qual é o modelo de desenvolvimento que Omar Aziz defende? Aparentemente, é aquele que destrói as florestas, que envenena os rios e os mares, que massacra os indígenas, que extermina as espécies. É o desenvolvimento que quer legar para as gerações futuras as cinzas, a falta de água, a escassez de oxigênio, os troncos queimados e a morte. Para que tudo isso? Para colocar o dinheiro, a ganância, o egoísmo e a vaidade acima da humanidade e da vida.
O que diria Montaigne sobre esses senadores que desejam vencer apenas para saciar seus desejos de morte? Não se trata de uma vitória pautada pela honestidade moral ou mesmo em busca da glória. Até porque não existe honra nessa conduta, apenas o brilho enganoso de ver a vítima esmagada.
Enganaram-se. Marina Silva os derrotou. Expôs sua crueldade. A rigor, a ministra foi uma Fênix, que ressurgiu afirmando antigas virtudes, reafirmando uma destemida coragem de quem faz da vida uma missão por uma causa justa, uma causa de toda a humanidade.
De fato, Marina Silva encontrava-se – e ainda se encontra, assim como Sônia Guajajara – exilada dentro do próprio governo, à frente de ministérios depauperados. Foram isoladas pela força impositiva de ministros como Alexandre Silveira e Rui Costa, que negociam todo tipo de concessão aos políticos que representam os interesses depredadores do meio ambiente.
O governo federal pratica um ambientalismo de fachada. Quer aparecer bem aos olhos do mundo, mas estimula projetos predatórios que elevam as emissões de gases de efeito estufa, degradam as florestas e incrementam os combustíveis fósseis. A própria Lei Geral do Licenciamento, aprovada no Senado com aval da Casa Civil, é um exemplo flagrante dessa contradição. Em vários aspectos, trata-se de uma lei do desmatamento livre – sem autorização, sem regras, sem responsabilidade ambiental.
Se o governo fosse firme, coerente e forte, os covardões do Senado não se sentiriam autorizados a atacar Marina da forma como fizeram. Mas como o governo é tíbio, qualquer um se sente à vontade para querer impor desígnios maléficos para o meio ambiente e para um futuro sustentável.
A mesma tibieza do governo expressou-se na conduta dos parlamentares da base governista, que mal se pronunciaram na defesa da ministra na Comissão de Infraestrutura. Louve-se a coragem e a firmeza da senadora Eliziane Gama, que defendeu Marina sem medo dos valentões. Nesses momentos, é conveniente lembrar uma afirmação do pai do liberalismo, John Locke: “Em todos os estados e condições, o verdadeiro remédio contra a força sem autoridade é opor-se à força”. •
Publicado na edição n° 1364 de CartaCapital, em 04 de junho de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Espetáculo de covardia’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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