Rita von Hunty

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Drag queen intepretada pelo professor Guilherme Terreri

Opinião

Esperar ou lutar?

A quem, neste ano de disputa eleitoral entre Lula e Bolsonaro, estiver esperando Godot, aviso: Godot mandou dizer que não virá

Rita Von Hunty (Foto: Reprodução/Redes sociais)
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Vamos por partes. Acho que a primeira coisa importante a dizer é que o campo da esquerda, no Brasil, acaba de sofrer mais uma derrota (que novidade, não?). Ou, em termos menos apaixonados: o campo da esquerda acaba de se mover (ainda) mais ao centro.

Na segunda-feira 18, o diretório nacional do PSOL aprovou, com maioria expressiva, a formação de uma federação partidária junto à Rede Sustentabilidade. A “federação partidária” substitui, desde a reforma eleitoral de 2021, uma das práticas mais podres da política institucional brasileira: as coligações.

As coligações eram uniões momentâneas, que podiam ser – e frequentemente eram – desfeitas tão logo um número de pessoas houvesse sido eleito. Em seu lugar, a partir destas eleições, conheceremos as “federações”, que permitem que os partidos se unam para apoiar qualquer cargo, desde que assim permaneçam durante todo o mandato a ser conquistado. Tal prescrição acena para a união, via afinidade programática, de partidos ideologicamente semelhantes.

A reforma, por um lado, tira de cena a prática abjeta que organizava as eleições até 2017, quando, ao votar em um candidato que pensávamos nos representar, de um partido que acreditávamos agir dentro de determinado programa, poderíamos eleger indiretamente, via transferência de votos do sistema proporcional, um candidato ideológica e partidariamente oposto.

Mas vemos, por outro lado, que ela está induzindo a uma negociação de programas. Acompanhamos, este ano, a união das legendas PT, PV e PCdoB numa mesma federação (Brasil da Esperança) e, agora, assistimos à união da Rede e do PSOL.

Em termos práticos, são duas novas legendas institucionais “de esquerda” que se formam no cenário político, com a diluição de projetos em nome da formação de blocos negociais para as eleições e/ou atuação no Congresso Nacional. É este o caso da Rede e do PSOL.

Esses movimentos, a meu ver, nos oferecem uma imagem clara do cenário político de 2022. A maior parte dos setores da esquerda com expressividade eleitoral vai adotar uma postura defensiva e “trabalhar dentro das regras do jogo” para tentar mitigar o cenário de terra arrasada que o governo Bolsonaro relegará às instituições, à economia e à vida social do nosso povo.

Mas como se pode lutar tendo ao lado os inimigos? A maioria dos quadros da Rede não foi favorável ao golpe contra Dilma Rousseff? Marina Silva não declarou apoio a Aécio Neves e, mais recentemente, a Macron, na França? Randolfe Rodrigues não defendeu a aliança entre Lula e Alckmin? Como o partido do Socialismo e da Liberdade pode se aliar ao partido do capitalismo verde?

Quem se lembra das declarações de Lula e Gleisi Hoffmann no fim de 2021 e das repercussões em redes sociais de pessoas que imaginavam uma “guinada à esquerda” do PT pode agora ver de forma inequívoca: não há movimento à esquerda de quem detém a hegemonia do campo no Brasil, e sim uma aposta redobrada na conciliação a qualquer custo.

Em meio a esses acordos, coincidentemente (ou não), o Teatro Oficina, de Zé Celso, decide encenar, como primeiro espetáculo após a retomada dos eventos presenciais, Esperando Godot, texto fundamental da dramaturgia ocidental, escrito por Samuel Beckett nos anos seguintes ao fim da Segunda Guerra Mundial.

A peça retrata dois personagens, Vladmir

e Estragon, em um cenário arrasado. Abatidos pela miséria e pela fome, eles buscam formas de lidar com a realidade em meio aos escombros do mundo que um dia conheceram. A esperança na mudança reside no possível encontro deles com um terceiro personagem, que dá nome à peça.

A tragicomicidade dos dois atos reside no fato de que Godot não aparece. E manda avisar que não vai aparecer. Atados por nós de desespero e incapazes de vislumbrar um horizonte, os personagens orbitam entre os planos de suicídio, a fé em uma figura messiânica, o entorpecimento propiciado pela masturbação e o riso insano diante da própria desgraça.

Ao assistir à encenação do Oficina, senti-me triste, pois percebi que a peça voltou a ser radicalmente contemporânea. Beckett e seu Godot voltam à cena para esfregar em nossas caras, sem pudor, e também sem grandiloquência, uma única verdade: os momentos marcados pelas tragédias humanas são também momentos de grande responsabilidade e responsabilização.

Enquanto a espera nos reserva somente angústia e sofrimento, a organização e a luta nos oferecem possibilidades de movimento. A quem, neste ano eleitoral, estiver esperando Godot, reteso-me, reiterando: Godot mandou dizer que não virá. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1205 DE CARTACAPITAL, EM 27 DE ABRIL DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Esperar ou lutar?”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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