

Opinião
Entre o ruído e o silêncio
Na presidência do STF, Edson Fachin promete autocontenção. Na conjuntura atual, a intenção pode ser confundida com fraqueza


A troca de comando no Supremo Tribunal Federal, com a saída de Luís Roberto Barroso e a entrada de Edson Fachin, simboliza mais do que a alternância prevista pelo rodízio interno da Corte. Representa a passagem de um ciclo de hiperexposição e enfrentamento direto com o bolsonarismo para outro, marcado pela promessa de sobriedade e autocontenção. Em um país no qual o Supremo tornou-se ator central da política, cada presidência é também um ensaio sobre os limites e as tentações do poder judicial.
Barroso encerra o mandato como expressão acabada da “presidência protagonista”. Esteve no centro do palco, defendendo a democracia “apesar do custo pessoal” e conduzindo o STF em momentos decisivos, como as condenações do 8 de Janeiro. O protagonismo deu-lhe prestígio e controvérsia: reforçou a imagem do Supremo como guardião do Estado de Direito, mas alimentou críticas de personalismo e ativismo. Sai deixando no ar a dúvida sobre quem fala quando o presidente fala, a instituição ou ele próprio.
Fachin assume com um estilo oposto ao de Barroso. Onde havia luz e ruído, promete sobriedade e silêncio. Sua palavra de ordem, autocontenção, sinaliza uma presidência mais institucional e menos personalista. Conhecido por votos firmes em defesa do meio ambiente, dos povos indígenas e dos direitos sociais, conduz sem buscar holofotes. Mas o desafio é claro. Em tempos de polarização, o silêncio pode parecer fraqueza. Se o excesso de intervenções desgasta, a contenção também cobra seu preço.
Essas diferenças de estilo não são apenas pessoais. Decorrem de um arranjo institucional peculiar. A presidência do STF é definida por rodízio e limitada a dois anos, o que impede a consolidação de uma liderança duradoura. Cada presidente herda um tribunal marcado por individualismos fortes e autonomia extrema. São 11 ministros que falam, decidem e pautam de modo independente. O poder de agenda é grande, mas fragmentado. A autoridade, sempre provisória.
Por isso, cada gestão acaba por ser, no fundo, um “ensaio de estilo”, uma tentativa singular de representar uma instituição cuja colegialidade é constantemente tensionada por personalismos. Barroso foi o presidente-professor, protagonista e normativo. Fachin assume como o presidente-independente, sóbrio e principista. Ambos expressam as fronteiras móveis entre o jurídico e o político, o técnico e o simbólico, a Corte e o País.
A transição de Barroso para Fachin é mais que uma troca de guarda. É o espelho das ambivalências do Supremo em tempos de crise e reconstrução democrática. Se o primeiro simbolizou o enfrentamento, o segundo parece apostar na reconstrução da confiança. Resta saber se o Brasil permitirá que a contenção produza autoridade. Ou se exigirá, mais uma vez, que o Supremo volte a falar alto para ser ouvido.•
Publicado na edição n° 1383 de CartaCapital, em 15 de outubro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Entre o ruído e o silêncio’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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