

Opinião
Entre lupas, ingredientes fantasmas e outras surpresas
Com embalagens atraentes, mas enganadoras, consumidores precisam dar um zoom além dos títulos e slogans para garantir escolhas bem informadas nos mercados


Por Mariana Ribeiro
O percurso na sessão de alimentos embalados do supermercado é uma caminhada instigante. Nela se pode encontrar de tudo: ingredientes culinários, alimentos processados, produtos ultraprocessados e muitas vezes até uma promoção de algo que não é alimento. No meio de tantas embalagens que não te mostram, ao vivo e a cores, o que se tem dentro, os produtos praticamente só tem um caminho para chamar a sua atenção: a publicidade do rótulo.
A partir de outubro de 2022, os consumidores brasileiros começaram a se deparar com uma lupa nos rótulos dos produtos embalados. Esse símbolo está presente na parte da frente da embalagem de todos os produtos que ultrapassam os limites estabelecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para as quantidades de açúcar adicionado, gordura saturada e sódio, em 100g ou 100mL. Agora em outubro de 2025, se encerrou o prazo final para todas as empresas se adequarem a essa regra.
A conquista da lupa, tecnicamente denominada como rotulagem nutricional frontal, é um avanço importante para o direito à informação e transparência dos rótulos, entretanto, apenas ela não garante escolhas alimentares verdadeiramente saudáveis e alinhadas com as recomendações no Guia Alimentar para a População Brasileira (documento do Ministério da Saúde, uma referência nacional e internacional).
Aproveitando que esse símbolo em destaque remete a investigação, para além da lupa, ainda precisamos dar um zoom para garantir escolhas bem informadas.
Não tem como negar, a parte da frente do rótulo sempre chama mais a atenção com o seu arsenal de apelo visual: Cores estrategicamente combinadas; imagens e desenhos atraentes (de pessoas, de símbolos, do próprio produto ou de outros alimentos); palavras e frases chamativas; destaque para nutrientes específicos; e uso de personagens ou celebridades que conversam diretamente com o público infantil.
A lupa posicionada na parte frente, com o destaque para os três nutrientes amplamente conhecidos por estarem relacionados a problemas de saúde pública, é uma tentativa de se contrapor a esse conjunto de elementos apelativos em produtos com altas quantidades desses nutrientes, mas ela não soluciona todos os problemas.
Dentre as coisas que ela não conta, temos os ingredientes fantasmas. Essa estratégia está presente nos rótulos dos produtos que destacam a imagem de um alimento, geralmente conhecido popularmente como saudável, mas ao analisar a lista de ingredientes ele não compõe o produto. Geralmente o sabor do alimento está presente por meio de aditivos alimentares, como: corantes e aromatizantes. Um exemplo é venderem para você um biscoito aveia e mel, só que sem mel.
Uma outra estratégia, assunto da Páscoa de 2025, é o chocolate que não é chocolate. Para ser chocolate é necessário seguir algumas regras específicas, mas caso o produto não atenda totalmente aos requisitos, uma estratégia encontra e que pode causar dúvidas ao consumidor, é só utilizar toda a identidade visual de produtos que a população já está
acostumada e nas letras miúdas informar que na verdade ele é só “sabor chocolate”, por conta da real composição do produto.
Muitas informações presentes nos rótulos são técnicas e menos atraentes do que toda a publicidade em destaque. Entretanto, uma alternativa para não cair nessas armadilhas é ler o rótulo. Por exemplo, para identificar se um produto é ou não ultraprocessado, um caminho é procurar na lista de ingredientes a presença de: aromatizante, corante ou edulcorante. Se tem algum deles, é ultraprocessado.
Estratégias de publicidade capazes de gerar dúvida ou engano sobre a composição e natureza dos produtos, são amplamente encontradas nos ultraprocessados, justamente a categoria de produtos que o nosso Guia Alimentar recomenda evitar e que diversos estudos da última década têm associado o seu consumo a diferentes problemas de saúde. Em contrapartida, a leitura atenta dos rótulos promove e fortalece a autonomia dos consumidores e contribui para que as escolhas alimentares sejam realizadas com mais informação e possibilita que elas sejam mais saudáveis.
Mariana Ribeiro é nutricionista e analista de políticas públicas do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec. Mestre em Nutrição em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP e graduada em Nutrição pelo Centro Universitário São Camilo.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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