Aldo Fornazieri

Cientista político, autor de 'Liderança e Poder'

Opinião

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Enredado em si mesmo

O principal problema do governo é o próprio governo

Enredado em si mesmo
Enredado em si mesmo
Brazilian President Lula da Silva gestures during the launching of the new phase of the Minha Casa Minha Vida Program during a ceremony at Planalto Palace in Brasilia on April 10, 2024. (Photo by EVARISTO SA / AFP)
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A queda de popularidade, seus impasses internos e na relação com o Congresso, os ziguezagues da política externa, sua incapacidade de mobilizar as bases sociais para um engajamento mais ativo, as confusões na Petrobras, desarticulação política e falhas de comunicação são ingredientes, entre outros, que explicam o mau momento do governo perante a opinião pública. Esses elementos mostram que o principal problema do governo é o próprio governo. Um governo enredado em suas próprias incapacidades.

As principais são de natureza política, pois no plano da economia não se pode dizer que o governo vai mal. O desemprego no período do terceiro mandato de Lula tem caído. A taxa para o mês de fevereiro é a menor desde de 2015. No ano passado, a renda do trabalho cresceu 11,7% e o número de empregos com carteira assinada continua acima dos 100 milhões. O Banco Central, o Ministério da Fazenda e os analistas de mercado elevaram as previsões de crescimento do PIB para 2024. Há indícios de que ele poderá ser superior aos 2%, acima das expectativas iniciais. É verdade que há uma elevação dos preços dos alimentos, mas esta inflação tem uma natureza sazonal e logo, principalmente os preços dos hortifrútis, deverá cair.

Mesmo com a situação relativamente confortável na economia, as últimas rodadas das pesquisas de opinião mostraram uma queda da avaliação positiva do governo e uma alta da avaliação negativa. Na contramão, as pesquisas mostraram uma alta da avaliação positiva do STF e do Congresso e uma queda na avaliação negativa.

O governo e as esquerdas em geral parecem não ter compreendido a natureza da política na era digital. Boa parte do chumbo que o bolsonarismo atira contra o governo nas redes é oferecido pelo próprio governo, seja por afirmações disparatadas de alguns de seus integrantes, seja por crises desnecessárias como a da Petrobras. Alguns integrantes do governo e do PT parecem não compreender como funciona o mercado de ações nem a sua importância para as empresas. Chegam a acusar aqueles que investem em ações de especuladores. A espuma criada na crise da Petrobras impediu que o governo se beneficiasse dos dividendos extraordinários gerados pela empresa.

Boa parte dos ministros parece enfrentar uma crise de apatia, de imobilismo e de incapacidade de ação e inovação. Com a saída de Flávio Dino para o STF, o governo ficou sem uma voz política. Enquanto o STF e o Congresso movimentam a atividade e o noticiário, no governo há uma pasmaceira. A falta de ação e de irradiação de projetos e temas desmobiliza e desengaja a militância nas redes e no debate social. O que se observa é um bolsonarismo ativo nas redes e uma esquerda desengajada. O governo não consegue agir como centro de irradiação e de mobilização política nas redes e na vida social.

O resultado é que o governo perde terreno na disputa de hegemonia. O conceito de hegemonia é polissêmico. Em regra, a hegemonia consiste na ­capacidade de um governo ou partido conferir direção e sentido à sociedade ou a agrupamentos sociais determinados. A hegemonia, sempre parcial nas sociedades democráticas, é construída por diferentes atividades e diferentes meios. O líder precisa ter as capacidades morais e de comando para manejar os meios e os indivíduos que lidera.

A hegemonia exercida por um governo assenta-se nas condições materiais que o governo garante aos grupos hegemonizados, do seu poder de compra ao fornecimento de serviços satisfatórios nos campos da saúde, educação e segurança, entre outros. Para que essas concessões surtam efeito, precisam, no entanto, ser amalgamadas pela ideologia, pela política, pelos valores morais, pela cultura e pela religião. Sem esse amálgama, as concessões materiais produzem efeito de baixa intensidade no ativismo e no engajamento em favor do governo. O governo perdeu capacidade de promover disputas políticas, ideológicas, culturais e morais.

Outro aspecto da hegemonia consiste em que ela tem de se estruturar em organizações da sociedade civil. Com as igrejas evangélicas, a extrema-direita ganha consistência e capacidade de expansão. As igrejas evangélicas tornaram-se a base social organizada no território e ativa na vida social.

Para sair dessa crise, o governo precisa recompor-se politicamente, recuperando a capacidade de ser um centro de difusão política, programática e de ideias e valores. Uma reforma ministerial é necessária. Caso contrário, perderá a capacidade de atração. Setores políticos do Congresso poderão deslocar-se para o campo que lhes é hostil. Os prejuízos poderão ser grandes nas eleições municipais deste ano e poderão tornar difícil o caminho para 2026. •

Publicado na edição n° 1306 de CartaCapital, em 17 de abril de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Enredado em si mesmo’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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