Afonsinho

Médico e ex-jogador de futebol brasileiro

Opinião

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Embates calorosos

Apesar de serem muitas as competições em curso, o assunto mais palpitante destes dias foi, sem dúvida, a decisão do mundial, com a disputa entre Palmeiras e Chelsea

Embates calorosos
Embates calorosos
Foto: KARIM SAHIB / AFP
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Nem bem o ano começou e a gente já se vê perdido em meio a uma quantidade enorme de competições, que vão de decisões de campeonatos sob o sol escaldante a disputas feitas no gelo. Isso, falando apenas de esportes. Na vida em geral, o cenário é mesmo de amargar.

Antes de entrar na seara esportiva, farei um desabafo. Fiquei atônito ao ler a notícia sobre a jovem piauiense de 21 anos, moradora numa localidade a 150 quilômetros de Teresina, que pariu, há mais de 20 dias, o filho Yuri em uma maternidade da capital e não pôde sair de lá porque não possuía documento de identidade. Antes, essa mesma mulher, Maria Cristina Oliveira de Lima, não conseguiu se casar com o marido justamente por não possuir documento. Maria Cristina, em outra ocasião, tivera um atendimento médico negado.

Isso tudo acontece porque ela, simplesmente, não possui a certidão de nascimento, que, presumidamente, todos os brasileiros devem ter. Pelo que li, ela não obteve esse documento porque, provavelmente nascida em casa, não recebeu a Declaração de Nascido Vivo (DNV).

Procurados pelos jornalistas, Maria Cristina e seu marido esclareceram que, orientados, já haviam recorrido à Defensoria Pública, que se encarregaria de resolver o caso. Na semana passada, depois de um mês no hospital, a família conseguiu retornar para casa, em Miguel Alves, cidade a 119 quilômetros da capital do estado.

Não disse que era de amargar?

Mas, registrada mais uma história tão emblemática dos absurdos deste nosso país, retomo ao meu assunto costumeiro, que é o futebol.

Sem dúvida alguma, o tema mais palpitante destes dias foi a decisão mundial, ocorrida no domingo 20, entre Palmeiras e Chelsea.

Houve, além disso, as oitavas de final da Liga dos Campeões da Europa, com o eletrizante PSG x Real Madrid, vencido pelo primeiro. A decisão ficou a cargo do último lance do jogo, que teve um gol espetacular de M’Bappée, depois de um passe de calcanhar de Neymar, que entrou no meio do segundo tempo. A dupla salvou o time da mancada de Messi, que desperdiçara um pênalti.

Como se não bastassem essas partidas eletrizantes, houve ainda a “coça” do Manchester City sobre o Sporting, por 5×0, em Lisboa, na terça-feira 16 – também pela Liga dos Campeões.

Mas, voltando à grande partida que mobilizou os brasileiros no fim de semana, assisti a Palmeiras e Chelsea em uma mesa diversificada, que incluía crianças – como sempre, as mais lúcidas.

A mesa era animada, com a maioria dos torcedores dando força ao time inglês, alegando que os esmeraldinos iriam tripudiar, caso saíssem vitoriosos. Eu, do meu lado, só pensava na grande torcida palmeirense de Jaú, cidade do interior de São Paulo onde a descendência italiana é predominante. Sofrido. Foi mais um jogo sensacional do campeonato, e mais uma vez decidido com pênalti.

Confesso que não tenho visto o Palmeiras jogar com muita frequência, mas, baseado na decisão da Copinha e nos comentários da mídia, estava com a ideia de um jogo de igual para igual, e com boas chances para o alviverde.

Os opositores não se cansavam de incriminar o time brasileiro, argumentando que, o tempo todo, só jogava se defendendo. Embora fosse o que se via em campo, a “real” é que quem dizia isso eram flamenguistas, no fundo mordidos de inveja.

Passado o jogo, com a consequente tristeza – principalmente de quem foi até Dubai –, a conclusão não pode ser nem de desencanto com o estágio atual do futebol brasileiro nem com a tendência a se “dourar a pílula”, dizendo que o Palmeiras jogou de “igual para igual”. Não é verdade.

Caímos, dessa forma, na discussão mais calorosa deste verão, de que há tempos não conseguimos vencer decisões contra times europeus. O que mais me chamou a atenção, de toda forma, foi ver um jogador franzino, de alta técnica e capacidade criativa como o talentoso Gustavo Scarpa, correndo para trás a dar carrinho nos atacantes adversários. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1196 DE CARTACAPITAL, EM 23 DE FEVEREIRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Embates calorosos”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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