Célia Xakriabá

Primeira indígena eleita deputada federal por Minas Gerais

Opinião

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Em pele de cordeiro

A comissão externa do Senado para monitorar a crise humanitária do povo Yanomâmi visa, na verdade, defender o garimpo. Temos o dever de denunciar os seus propósitos escusos

Foto: Michael DANTAS / AFP
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Há quatro anos, nós, indígenas, somos vítimas do bolsonarismo, do garimpo, do agronegócio e de todo o projeto ecocida que se instaurou em nosso país. Estamos em luta e denunciando a violência que nos atinge desde sempre em nosso maior palco, que é o chão da luta. Agora, com os holofotes voltados para a crise humanitária Yanomâmi, mais pessoas podem ver os crimes que devastam os nossos territórios. As saídas são o combate ao garimpo ilegal e a demarcação dos territórios. Temos certeza de que políticas públicas eficazes serão implementadas com a chegada do nosso novo e ancestral Ministério dos Povos Indígenas.

Mesmo com a mudança de governo, as investigações pelas omissões e pelo descaso do antigo presidente e seus aliados, a luta continua. Há ainda os que querem criar mecanismos institucionais em defesa dos garimpeiros. O maior exemplo é a criação da Comissão Externa Yanomâmi no Senado Federal. Iniciativa de três deputados aliados do garimpo em Roraima e presidida pelo senador Chico Rodrigues, ela pode significar uma apuração que não prioriza os direitos dos povos indígenas. Como deputada indígena, fui chamada a participar como convidada e sem poder de voto. Aceitei por acreditar na importância de fazer frente ao discurso do garimpo, mas isso não anula a disputa instaurada sobre a pauta. Pergunto-me a quem interessa a não apuração dos crimes cometidos.

Um exemplo do risco que essa comissão representa foi um documento enviado pelo senador presidente e seus aliados à Procuradoria-Geral da República e a ministros do governo Lula, solicitando que os garimpeiros eventualmente flagrados dentro do território ­Yanomâmi não respondam a processos criminais. Pior, os parlamentares pedem para as autoridades “resgatarem” os “trabalhadores” que estão retidos em áreas de garimpo. O outro absurdo foi a visita feita no território sem debate prévio na Comissão ou qualquer articulação com o Ministério dos Povos Indígenas, Funai e órgãos que estão atuando na região.

Uma das nossas primeiras ações, logo no primeiro mês de mandato, foi o pedido de criação de uma comissão externa na Câmara dos Deputados para apurar a situação Yanomâmi. Bastou colocar o tema na pauta para haver obstrução por parte dos deputados do PL. Esta, sim, uma comissão com representação indígena e com parlamentares que estão comprometidos em investigar, apurar e combater o garimpo, resguardando a integridade do território. São os que tentam apagar os rastros dos crimes cometidos que obstruem esse debate. Quem não se sensibiliza com crianças passando fome e mulheres estupradas perdeu o senso de humanidade.

Há uma disputa em curso, mas a resistência continua. Tanto do lado de dentro do Congresso quanto do lado de fora. Nesta semana, o Conselho Indígena de Roraima pediu o afastamento do senador Chico Rodrigues da presidência da comissão. Enquanto isso, em Brasília, seguimos pressionando para que a Comissão Externa da Câmara entre em pauta e seja instaurada.

Sempre tenho feito o mesmo apelo na Câmara dos Deputados e deixo ele aqui para toda a sociedade: o que mais é preciso para que as pessoas se sensibilizem com o que acontece com os povos indígenas? Estão nos matando, nos violentando, nos estuprando. Se isso não é motivo suficiente para fazer da pauta indígena uma urgência para todas e todos, o que seria? Resistimos desde 1500, mas é preciso também que todas as pessoas entendam que somos a saída número 1 para barrar as mudanças climáticas e salvar o planeta. Estamos falando de todas e todos, da água que chega em nossas casas, do fim de tragédias como a causada pelas chuvas no Litoral Norte de São Paulo. Estamos falando do nosso planeta. Os mesmos que nos atacam são os que levam veneno para a comida que vocês consomem em casa. O plano de ecocídio não é apenas para os povos indígenas.

Se temos as tecnologias ancestrais para fazer diferente, por que nos matar? Não temos planeta B e a hora de salvar a humanidade é agora. O primeiro passo é olhar para as tragédias em nossos territórios, olhar para o meio ambiente e pressionar para que as disputas institucionais não acabem com a vitória do garimpo. Este é também um convite a vocês para subir no palco da nossa luta. É do planalto para o planeta. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1249 DE CARTACAPITAL, EM 8 DE MARÇO DE 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Em pele de cordeiro”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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